Cláudia Beylouni Santos fala sobre Teema, intérprete de grande beleza que, com seu porte altivo em kaftans majestosos e charmosos ornamentos orientais, canta divinamente.
Para ser lido ao som de Teema em Eastwest

“Aquela moça toda maravilhosa que está acompanhando o Kamasi cantou em árabe, a coisa mais linda, lembrei de ti o tempo todo, bem o tipo de música que tu adoras, tomara que ela cante de novo, tu vais amar!” Assim, sem bem conseguir me dividir entre a miríade de apresentações imperdíveis que aconteciam simultaneamente nos diferentes palcos do Blue Note at Sea de 2020, tendo perdido uma parte da “home made jam” conduzida pelo Robert Glasper, exatamente a na qual ela se apresentara, foi que tive notícia de que aquela mulher cuja beleza já me havia chamado à atenção com seu porte altivo em kaftans majestosos e charmosos ornamentos orientais, além de muito, muito bonita, cantava – e divinamente. Minha filha, que me acompanhava no cruzeiro de jazz, atentou-se diante da sublime beleza da apresentação e também porque sempre soube que desde criança eu já era apaixonada pela cultura árabe.
Atendendo ao nosso desejo, o destino nos presenteou na jam da noite seguinte com uma nova participação (e minha chance de ouvi-la!) da Ami Taf Ra, ou Teema, como vim a saber se chamar aquela daimon – sim, um verdadeiro espírito da natureza, cujo canto tanto fascínio exercera em minha filha na apresentação anterior. Pude eu própria, pois, testemunhar: a partir do palco, o seu timbre doce e cristalino invadiu todo o espaço da sala, levado por uma potência bravia; transpôs as escotilhas do barco e foi acarinhar as ondas do mar antes de subir aos céus para envolver todo o Cosmos: a voz tenaz sempre brincando em redemoinhos suaves e delicados, indo aos agudos e voltando com uma leveza e afinação tão perfeita, que os nossos ouvidos desejavam bebê-la toda.
Qual minha emoção, quando, na busca por mais material daquela cotovia que conheci navegando no Blue Note, descubro que aos 14 anos a artista nascida no Marrocos, criada em Amsterdam, na Holanda, e moradora de Istambul, Turquia, ganhara de sua mãe um álbum de uma lendária cantora libanesa por quem se apaixonou e cuja influência foi decisiva na construção de sua identidade artística: Fairuz – sim, a minha Fairuz, minha e do meu vô Farid! Então descoberto que também é a Fairuz de Teema…
E é de fato muito bonita a importância da referência da Fairuz para acontecer a pacificação na integridade da arte em Teema, uma pessoa de formação multicultural cujo primeiro contato com a música árabe (que a mãe sempre colocava para tocar em casa) foi aos nove anos, quando ainda vivia em Rabat, no Marrocos, mas quem, por outro lado, cresceu sob o império da musicalidade ocidental, tendo estudado música em Amsterdam, onde participou de coral gospel e de bandas.
Ocorre que antes de ser apresentada à Fairuz, os diferentes universos musicais pelos quais sua vida transitara aparentavam fronteiras que os apartassem. Na infância, suas primeiras referências na música árabe, entre outras, foram a egípcia Umm Kulthum, a argelina Warda Al-Jazairia e a síria Amal al-Atrash, de nome artístico Asmahan (irmã do Farid al-Atrash e também artista titular de alguns dos bolachões do meu avô que eu sempre adorei escutar). Apaixonou-se irreversivelmente, porém, foi por Fairuz, ao tomar contato com a fase em que a célebre musa libanesa já transcendia as bases mais tradicionais e folclóricas do seu cancioneiro árabe, incursionando suas composições à fusão com jazz.
A primeira música árabe que Teema gravou, em dialeto egípcio, foi no estúdio Sout El Hob, onde o ícone egípcio Abdelhalim Hafez já havia gravado. Dali passou a se apresentar pelos mais diversos lugares de um mundo que veio a ser brindado pela pureza esmerilhada e transcendente da arte dessa musicista cuja world music hoje assume a definição de North African Fusion Jazz, sendo que a gregariedade de Teema através da música não se limita tampouco à fusão do Oriente com o Ocidente.
O seu primeiro álbum, Eastwest, foi gravado em Amsterdam com musicistas da Holanda, Bulgária, Espanha, Eslovênia e Turquia. Tem 6 composições originais que ela escreveu em dialetos árabes sírio, egípcio, marroquino e iraquiano.
Ami Taf Ra está trabalhando no seu próximo álbum e o seu primeiro show em solo norte-americano foi muito recentemente, em 4 de fevereiro passado, em Los Angeles, havida uma calorosa acolhida ao palco que contou com a participação de Ryan Porter, Rickey e Kamasi Washington, Kahlil Cummings, Ben Williams, Jonathan Pinson e Jamael Dean – um momento que a artista descreveu como uma noite mágica em Hollywood.
A nós porto-alegrenses seria muito lindo se, na sua apresentação que aqui fará no dia 26 de maio, Kamasi Washington nos brindasse com a pérola de uma participação da bela voz e cancioneiro tão especial de Ami Taf Ra. Quiçá ela até nos presenteie ao vivo com a sua linda releitura em árabe da nossa joia da bossa nova composta por Luiz Bonfá e Antônio Maria, parte da trilha de Orfeu Negro que é muito querida aos meios jazzísticos mundo afora, Manhã de Carnaval, versão que Teema gravou sob o nome Sabah El Hob, num caldo de fusão cultural que arrepia ao expor a universalidade da essência da boa música que o jazz consegue catalisar.