Só falta um milagre para Roberto Carlos

Juarez Fonseca, inspirado pelo texto de Antônio Carlos Miguel, recupera uma reportagem sobre o cantor escrita há 26 anos

Para ser lido ao som de Roberto Carlos em Jesus Cristo

Arte: Gilmar Fraga

Uma iluminação espantosa, jamais vista em shows brasileiros. Um som de rara qualidade para um ginásio. Mais de 15 mil pessoas tão reverentes que só faltava beijarem o palco onde ele pisava. Coisas do Rei no dia de seu aniversário, 56 anos, sábado da semana passada, no Gigantinho, em Porto Alegre. Coisas do Rei, e de Deus. Foi a Deus que ele dedicou aquela noite, como a Deus tem atribuído seu inigualável sucesso e sua felicidade. Nunca, como agora, Roberto Carlos tem sido tão explicitamente místico.

Nas três músicas finais, o show assume uma aura quase litúrgica. Roberto ilumina-se como um mensageiro da fé. Começa com Quando eu Quero Falar com Deus e emenda em Nossa Senhora – a efígie da mãe de Jesus ocupa os dois telões laterais e o enorme painel ao fundo. Para terminar, a música Jesus Cristo, com arranjo glorificante e imagens do filho de Deus projetadas no palco. Ante tamanha manifestação de fervor, parecia estar no palco não um cantor profano mas um profeta, um apóstolo. Divaguei imaginando o dia em que Roberto Carlos se tornará um pregador e seu show inteiro será de músicas religiosas. Ele é católico, certo, mas imaginei-o fundando uma nova igreja, que nasceria com grande vantagem em relação às tantas existentes. Roberto é seguido há decênios por multidões, não há um único artista brasileiro que lhe chegue aos pés em popularidade, carisma, tempo de permanência no topo. Tudo isso faz com que não possa andar na rua como um homem comum, faz com que seja quase um recluso.

A reclusão, a sensibilidade extremada e o convívio com poucos (que o tratam como a um objeto sagrado e o protegem do mundo exterior), são fermentos do misticismo. E eu ia pensando essas coisas enquanto ele e a multidão entoavam Jesus Cristo. Olhei para o lado e, juro, vi uma senhora, emocionada, levantando nas mãos um rosário branco. Continuei pensando: mais rosários surgirão, a imagem purificada de Roberto se acentuará com a idade, ele ficará ainda mais grato, suas mensagens se intensificarão.

Então, vislumbrei o dia em que, durante um show, alguém abandonará a carreira de rodas e caminhará. Será o milagre que faltava…

Para quem foi coroinha em Guaíba, esse exercício de ficção ia sendo feito não sem um pouco de censura e receio. Mas não é nenhum absurdo em um país místico como o Brasil. Somos o país do Padre Cícero, de Antônio Conselheiro, do Padre Reus, de Zé Arigó, da Mãe Menininha, de Chico Xavier. Roberto Carlos é um líder absolutamente sincero em sua fé. E o povo anda carente de um novo beato. Roberto Carlos. Já imaginaram?

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