Madonna ‘n’ Rio e 40 anos do RiR espelham a força e a fraqueza daquela que seria a essência desses dois eventos

Madonna transcende a música, e isso é tanto sinal de força de uma artista multifacetada (também se valendo de dança, imagem, atitude, ativismo) quanto fraqueza da forma de arte que, em princípio, é o ingrediente primordial em sua equação.
Há muito que a música também deixou de ser o item principal no Rock in Rio, que, esse ano, comemora em seu berço quatro décadas de existência. Não importa o elenco, que, em 2024, é anunciado como o maior e mais diversificado de todos, aquilo virou um bem sucedido parque temático.
A ideia aqui não é ficar chutando cachorros vivíssimos. Ambos movimentam a cultura e a economia. Por méritos dos responsáveis, sejam os artistas nos palcos, os produtores, os gestores públicos ou as imensas plateias. A cidade que se diz maravilhosa, por sua vez, ou por seu charme, também contribui para o interesse e o sucesso desses dois mega-eventos.

Madonna, que aguarda um público de 1,5 milhão para o encerramento da atual turnê mundial, subirá nesse sábado ao palco monumental montado na Praia de Copacabana cercada de bailarinos, parafernália de som e imagem e efeitos tecnológicos. Segundo consta, não há a previsão de músicos dividindo o cenário. Um filho de Madonna empunha uma guitarra em “Like a prayer”, em homenagem a Prince, que tocou na gravação original; uma filha encara um grande piano em “Bad girl”; e a própria usa de sua voz em momento à capella; mas, quase todo o áudio do espetáculo é pré-gravado, o que não é novidade para ninguém e em nada diminui o que a experiência Madonna em A Celebration Tour quer oferecer.

Multidões também têm ido ao RiR, seja no Rio ou em Lisboa, pela promessa de diversão em si. Proporcionada seja por rodas gigantes e tirolesas ou o elenco. Em 2024, os muitos estilos e o número de artistas seriam provas da importância dada à música. De rock a (pela primeira vez) sertanejo, passando por jazz, funk, bossa-nova, samba, DJs… Roberto/a Medina e curadores dizem que toda a música brasileira estaria representada, mas, a galera de Belém já reclama da exclusão. E também poderiam protestar os Centros de Tradições Gaúchas (com suas bombachas, acordeons e cuias de chimarrão), os cerca de 300 grupos diferentes dos povos originários e tantos outros gêneros e ritmos de um país privilegiado no quesito música.
Música que rende cada vez menos a seus criadores, como, ontem, Ivan Lins reafirmou na entrevista dessa semana a Marcelo Tas no Provoca da Cultura. Aos 78 anos, com o virtual fim da venda física, dependendo das minguadas receitas da execução em streaming (Spotify, Apple, Amazon, Deezer, etc), o compositor popular brasileiro mais reconhecido no mundo após Jobim se vê obrigado a trabalhar muito mais do que previa. Só tem piorado. Em 1994, no ano em que morreu, aos 67 anos, Tom também dizia que, por necessidade financeira, fazia muito mais shows do que gostaria.
Enquanto não se resolve a questão de pagamentos mais justos aos envolvidos em toda a cadeia criativa e produtiva da música (autores, intérpretes, produtores, técnicos…) outro fantasma dá as caras. A arte criada por inteligência artificial. Programas como o recente Suno entregam em menos de um minuto uma canção. Basta se cadastrar e tentar. Na assinatura gratuita, é possível “compor” cinco faixas (com duas versões) por dia. Em princípio, bares, academias de ginástica, dança e fisiculturismo, clinicas médicas, saguões de aeroportos e hotéis e todos que não quiserem mais pagar pela execução pública terão meios de montar suas próprias e “originais” playlists.
Ao mesmo tempo em que essa ameaça entra em cena, alguns dos mais conhecidos criadores têm vendido seus direitos autorais por cifras astronômicas. Estrelas mais do que consagradas, como Bob Dylan, Neil Young, Bruce Springsteen e David Bowie (o primeiro a fazer isso, um pouco antes de morrer, em 2016), ou efêmeros cometas, a caminho do esquecimento, como Justin Bieber. Este, com meia dúzia de sucessos, se tanto, teria recebido os mesmos 200 milhões de dólares que conseguiu o prêmio Nobel de Literatura Dylan.
Sinais paradoxais. Alguma coisa não bate, está fora da ordem, da nova ordem musical mundial.
Aos 65 anos, a atração desse sábado em Copacabana, sempre lutando por boas causas, Madonna tem e não tem tudo a ver com isso. Vai celebrar o fim de A Celebration Tour e de suas grandes turnês. Milhões de fãs, curiosos ou cricríticos, nas areias ou nas telas de TVs e celulares, farão parte da festa. É ver e ouvir para crer.

Não há quase nada a acrescentar a esta acertada matéria. Sinais dos tempos modernos que não privilegiam a qualidade, nem o talento. Tudo é feito para um consumo momentâneo, que não dá espaço a uma degustação ao longo do tempo, porque a arte, tal qual os móveis fabricados em série para as linhas de montagem, agora não é feita com o propósito de durar, sendo rapidamente o produto do processo “criativo” posto fora e substituído por outro, que também rapidamente cairá no esquecimento, não sem antes produzir dividendos para poucos, não importando mais a qualidade. A arte de hoje está a serviço quase que somente da mente empreendedora. A qualidade artística somente é bem vinda se embrulhada junto com o caráter popular que o artista possua, a sua capacidade em atrair público, independentemente da sua qualidade artística (musical, no caso), porque hoje nos tornamos massivamente desaprendidos de maiores exigências. Não estou aqui minimizando a importância reconhecida mundialmente da Madonna, indiscutível em seu gênero musical, precursora do que veio a reboque, de qualidade que gradativamente foi se perdendo. O conceito do business é o que me refiro, que de um modo geral não privilegia a qualidade.
Sim. A era dos likes (e dislikes). Abs
Gostaria de acrescentar que os shows atuais além de estética duvidosa, têm produções pobres (músicas pré-gravadas? Aonde fomos parar!) e, muito embora alcancem grandes públicos, como esperado para o show do próximo sábado, posso quase afirmar que só dão o lucro pretendido mediante “combinações” que não convém aqui comentar.
Pano para muita manga. Abraços
Esse é talvez o grande debate do momento da área da música. Podem ser tentadas algumas profecias, mas ninguém sabe para onde vai a coisa. Só uma coisa é certa: a música boa não vai morrer – a ruim, cedo ou tarde sempre foi morrendo. Ótimo texto, Miguel!
Obrigado, mestre Juarez. Continuaremos ouvindo e conversando sobre. Grande abraço.