De: Cotinha Duhá / Para: Rita Lee

Aqui, ali, em qualquer lugar a love letter straight from the heart

Para ser lido ao som de Walking 10.000 Steps with Rita Lee

Hi There:

Parece que foi ontem quando no dia 9 de maio recebi uma mensagem do Márcio Pinheiro pedindo que enviasse a minha lista, contendo as cinco melhores músicas de Rita Lee, para publicar na AmaJazz, Tipo homenagem póstuma.

Tomei um susto. Não sabia de nada. As últimas notícias que chegavam até aqui diziam que você estava bravamente vencendo o dragão da maldade. Naquele momento eu estava incapacitada de pensar, pois me encontrava num consultório médico em Miami e tinha acabado de receber o resultado de alguns exames com um diagnóstico, que prognosticava o mesmo mal que tinha te levado para a outra dimensão.

Escrevi alguma coisa no telefone e mandei para AmaJazz uma lista qualquer nota. Desafinada. Imagina que não inclui a música Bagdá que é top na minha preferência…

O choque do diagnóstico acoplado com o vazio enorme ao saber da tua partida – que na minha imaginação significava o fim de uma era – me tiraram o chão e o sono. Sim, para mim você era imortal. Você teve a coragem de fazer e dizer coisas, que nenhuma outra mulher da nossa geração ousou fazer e muito menos dizer. Um referencial de atitude, de como pensar, de não ter medo de errar, e nem de amar. Sempre verdadeira.

Desde a primeira vez que te vi no Festival Internacional da Canção de 1968, quando os Mutantes cantaram Caminhante Noturno, fiquei fascinada com tudo: com a tua voz, a audácia do vestido de noiva, e o estilo que extrapolava os padrões convencionais da época.

Fui ao Maracanãzinho acompanhada pelo cronista, e então meu parceiro de vida, Carlinhos de Oliveira, e levávamos conosco o agora imortal da ABL, Geraldinho Carneiro. Nós três fomos presos ao entrar no estádio quando pulamos umas cercas de metal para alcançar a área VIP que ficava na frente do palco. Fomos barrados na festa. Augusto Marzagão – o diretor da coisa toda – teve que interferir para que pudéssemos chegar até os nossos lugares, sem antes tirarem a garrafinha de uísque que Carlinhos levava na bolsa, o que no day after rendeu uma crônica engraçada no JB: A garrafinha do Marzagão ou o garrafão da Marzaguinha. Este fato é narrado por Geraldinho no seu livro de memórias Folias de Aprendiz. Angelical e linda, neste dia no Maracanãzinho você transformou-se na nova onda. Na noivinha do Brasil: uma “síndrome de Lolita” que falava Simone de Beauvoir ao descrever um novo símbolo de feminilidade. Todos os homens, de todas as idades, credo ou cor queriam se casar com você. E todas as mulheres queriam ser exatamente Rita Lee: um misto de Jane Birkin, Marianne Faithful, Francoise Hardy as musas europeias louras, lindas e magras daquela hora.

A partir dali a sua música tornou-se uma boa parte da trilha sonora da minha vida: com Mutantes, sem Mutantes, com outras bandas, solando e finalmente na parceria com Roberto de Carvalho. Sem nunca esquecer a bossa dos Beatles!

O último show que assisti antes de me mudar definitivamente para Nova York, em 1980, foi Grandes Nomes – Rita Lee Jones no Teatro Fenix da TV Globo. Meu guru na época, Luiz Carlos Maciel participava na produção e me deu convite para assistir o espetáculo no gargarejo.

Incrível ver como a ingênua noivinha de 68 tinha se transformado na noiva real de um super músico, e os olhares sensuais que trocavam no palco, o “body language” de ambos, denunciavam uma relação cheia de muito amor e rock and roll. A interpretação da música Este Tal de Roque Enrow, parceria com Paulo Coelho, é antológica. O histrionismo do casal nesta música deveria ser estudado nas escolas de cinema e teatro como uma lição de “timing” e interpretação. Aplausos! Havia muito mar entre os teus mega shows, que nunca assisti , e a minha nova vida americana. Sempre fiel, eu te acompanhava de longe. E eis que a vida (e a morte) junta-nos novamente.

Atrás de médicos e do tratamento adequado andei de Miami para Nova York, e para ofuscar a minha ansiedade, além da meditação, me atirei de cabeça no Youtube vendo shows, entrevistas, clipes, e comecei a seguir quase todas as 65 páginas de fãs no Instagram em tua homenagem, acrescentando, a essas, as centenas de posts no Facebook, TikTok, Pinterest e por ai vai… Fiquei com mania de você. Virei groupie digital. Isto sem contar as inúmeras vezes que li, reli, e reli Outra Autobiografia como que me preparando para o que vinha pela frente. Foi um bálsamo numa hora dessas encontrar algo tão inédito, tão puro, tão poderoso na sua humanidade, tão tudo como este livro. Você sempre presente, antes na alegria da música e agora na dor de um tumor.

Quando comecei a “trip mania de você” fiquei encantada ao encontrar a Comunidade Rita Lee criada pelos fãs nas redes sociais. A cordialidade e o respeito entre os seguidores tendo como mastro o amor por você e pela sua obra são inspiradores. Pelo ineditismo o perfil que mais me chamou atenção foi Rita Lee no Canadá que faz parceria de colaboração com a página Fã Rita Lee, de Portugal. Este perfil canadense anuncia um programa de rádio dominical Brazil Sound System do Dr. Alexei, que sempre abre cada episódio com Rita Lee. A administradora é Agatha Cristina ou Petite Gatita, uma advogada brasileira de 46 anos com mestrado nos Estados Unidos, moradora há 16 anos em Ottawa no Canada. Uma mulher independente e inteligente que idolatra o casal Rita/Roberto. Ela investe muito tempo e dinheiro buscando e comprando memorabília espalhada pelo mundo. A missão do perfil é resgatar e transmitir o legado Rita Lee, o que é feito com amor e conhecimento de causa. Petite Gatita conta que aos três anos viu você na televisão, e foi amor à primeira imagem. Colocou o batom da mãe e encheu de beijos a tela do televisor Philco novinho em folha da casa do avô, em São Paulo. Aos cinco anos, depois de muito insistir, os pais a levaram a um show seu e por conspiração da sorte conseguiu ir até o camarim onde você deu toda atenção do mundo a ela, que no deslumbramento do momento esqueceu de pegar um autógrafo. Conseguido anos mais tarde através de uma promoção na tua homepage. “Para Rita Lee no Canada ou Petite Gatita the show must go on”.

Foi nesse embalo que mandei para ela o disco The Living Legend of Carmen Miranda, que a Lux Music (companhia novaiorquina minha e do Nelson Motta), produziu para ser lançado durante o Brazilfest do Lincoln Center Out-of-Doors Festival em 1995. Um disco inédito que agora é um “colector’s item”. O perfil Rita Lee no Canadá postou a chegada do CD e imediatamente o perfil Arquivo Rita Lee manifestou-se. Notei que a interação entre as páginas é quase imediata. Parece que todos moram no Instagram.

O Arquivo Rita Lee disse que este nosso disco já tinha sido lançado no Brasil, e que não era inédito. Novidade para mim que produzi o CD nos Estados Unidos. Mas esses fãs sabem tudo da sua obra, e eles estavam certos. Este disco com a mesma compilação do Nelsinho existe no Brasil com outra capa, outro nome e com as mesmas músicas em ordem diferente. A sua participação neste tributo recheado de feras da MPB é pra lá de “cool”. É arrasante a sua interpretação de I Like You Very Much com o mesmo sotaque e “swing” da Carmen.

A página Arquivo Rita Lee, que justificadamente criou a controvérsia sobre a compilação, existe desde 2020. Foi criada durante a pandemia e é administrada por Eduardo de Carvalho (sem laço familiar com Roberto), um arquiteto de São Paulo que posta inúmeras matérias de jornais e revistas desconhecidas, principalmente, pelo público jovem. Ele conta que é fã de carteirinha desde criança e com orgulho diz que a página Rita Lee Oficial, no Insta começou a segui-lo, e em alguns casos, repostá-lo a partir de 2021, salienta ainda que você curtiu o perfil quando ainda estava na ativa. Eduardo assistiu incontáveis shows e ressalta a simpatia do casal Rita/Roberto. Arquivo Rita Lee é uma biblioteca virtual muito bem documentada, o acervo do arquivo faz jus ao tamanho da tua obra. E, nas minhas buscas, garimpei, ainda, duas pedras preciosas: uma live do DJ Memê, onde Rob, a paixão da tua vida, dá um show de carisma, inteligência e de afeto. Amei total quando você invade a praia deles, linda como nunca, diva, e representando o papel da personagem Rita Lee com graça, charme e a humildade tão característica sua. Ali você disse para Memê, que não sabia tocar nenhum instrumento. Isto pode Rita Lee?

Descobri também que rola no ar um podcast muito bem feito pelo jornalista, Beto Feitosa, que disseca as entranhas de todo teu trabalho musical. Uma delícia ouvir depoimentos de profissionais que de alguma forma ou maneira estiveram ligados à produção dos teus discos.

Unanimemente eles enaltecem o teu caráter, e tua bondade e o teu respeito pelas pessoas que tiveram o privilégio de trabalhar contigo.

Quanta nobreza! Sempre rainha!

Então minha querida, no próximo dia 31 é teu aniversario. Gostaria de te mandar algo significativo como agradecimento por tudo o que você fez e continua fazendo por mim e por esta comunidade enorme que te ama. Como estamos em dimensões diferentes o presente vai em forma espiritual. Encomendei missa na St. Patrick Cathedral de Nova York. Um presente iluminado, que sei que chegará aonde estiveres em forma de raios brilhantes através da chama das velas que continuo acendendo para ti no altar de Santo Antonio na catedral da Quinta Avenida.

E, finalmente, ofereço uma serenata em forma de playlist no spotify criada especialmente para a página de bem-estar e saúde 10.000_GO no Instagram. A lista Walking 10.000 Steps with Rita Lee – Caminhe 10.000 Passos com Rita Lee – Camine 10.000 Pasos con Rita Lee para os caminhantes de diferentes nacionalidades, diurnos ou noturnos, é uma curtição passo a passo da tua música. O melhor de Rita Lee para as resoluções do ano novo, visando alegrar e trazer saúde, em 2024, para todos nós que ainda vivemos enclausurados aqui neste corpo, neste tempo e neste espaço. Eu, e minhas parceiras Esperança Motta e a graphic designer Antonia Motta fizemos este tributo pequeno, diante do teu tamanho gigantesco, com amor, carinho e respeito.

Obrigada SIM pelo legado que você nos brindou.

Até a outra dimensão!

See you later alligator! After ‘while crocodile! (ao som de Bill Hailey and His Comets).

Carinhosamente,

Maria Cotinha Duhá

***

Ilustração cedida por Cotinha Duhá e pelo autor, Guilherme Francini

Nenhum pensamento

  1. Nossa !!! Alem de uma verdadeira aula de muito amor a Rita Lee, uma experiencia de vida contada num texto primoroso e cheio de alegrias incontidas… Que viva Rita Lee !!! Sempre e que hajam milhões de outras Cotinhas contando historias fantásticas desta nossa Rainha… parabéns por tao brilhante relato… Vc tem autoridade e competência do assunto !!!!

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