Como saber mais sobre um músico que sumiu?
Para ser lido ao som de Thelonious Monk, Art Blakey e Gary Mapp em Bye-Ya

Dias atrás, Roberto Muggiati lembrou na AmaJazz a trajetória de Ernie Henry, um dos unsung heroes, aqueles heróis pouco conhecidos que acabam se transformando em criaturas que o mundo esqueceu. Gary Mapp eleva esta condição à enésima potência. Seu sumiço faz dele não apenas um personagem pouquíssimo conhecido, mas quase um fantasma. Alguém que raramente é lembrado e do qual as pistas são escassas e imprecisas. Verdade que o próprio Mapp não se ajudou muito. Sua carreira pode ser resumida às raras sessões de gravações da qual participou, no qual ele é apenas coadjuvante. Mas que coadjuvante!
A primeira foi realizada em 15 de outubro de outubro de 1952, com Max Roach na bateria. A outra, três meses e três dias depois, agora com Art Blakey substituindo Roach. Liderando os dois trios estava Thelonious Monk, 35 anos na época e já respeitado como um dos criadores do bebop e um dos inventores do jazz moderno. As duas sessões marcavam ainda a estreia de Monk numa nova gravadora, no caso a Prestige, onde ele ficaria por apenas dois anos. Na sessão com Blakey foram gravadas três composições de Monk (Little Rootie Tootie, Bye-Ya, Monk’s Dream) e um standard (Sweet and Lovely). Foram as primeiras gravações que Monk fez para a Prestige Records durante sua breve estada na gravadora, que terminou em 1954. Na sessão com Roach, o trio interpreta Bemsha Swing, Reflections,Trinkle Tinkle e These Foolish Things.
Durante anos acreditei que Mapp fosse algum outro músico tocando com outro nome. Problemas contratuais nessa época eram comuns. Assim, parecia natural alguém ocultar a identidade. O próprio Charlie Parker, já consagrado, às vezes se fazia passar por Charlie Chan. Não foi o caso.
O mapa de Mapp ficou claro para mim depois que li a biografia sobre Thelonious Monk escrita por Robin Kelley. Em não mais do que três páginas, Kelley joga luzes (poucas, na verdade) sobre a real identidade do contrabaixista das sombras.
Kelley revela que Gary Mapp era de Barbados e foi morar no Brooklyn. Conheceu Monk apresentado por outro pianista, Randy Weston. Também morador do Brooklin, Weston era um dos que divulgava a qualidade musical dos artistas locais e constantemente insistia com Monk que ele deveria visitar o bairro.
Monk foi ao Brooklyn e não perdeu a viagem. Aproximou-se de outros músicos, como o já citado Ernie Henry e o igualmente contrabaixista Ahmed Abdul-Malik, que acabou se tornando um de seus mais constantes parceiros. E mais: com Mapp, além da conexão musical, Monk conseguiu estabelecer uma sintonia permitida apenas aos que conseguiam entrar na frequência do, digamos assim, esquisito pianista.
Consta que os ensaios foram rápidos e as gravações, instantâneas. Monk já havia gostado do que ouvira antes com Mapp ao vivo no Tony’s, uma casa noturna do Brooklyn onde o barbadense costumava se apresentar. As origens caribenhas de Mapp também foram decisivas, facilitando a aproximação entre pianista e contrabaixista. Bemsha Swing, composição de Monk com o também barbadense Denzil Best, seria uma prova. Bemsha vem de Bimsha, que por sua vez vem de Bimshire, um dos apelidos de Barbados. Bye-Ya é ainda mais explícita. Sem nome durante as gravações, a composição quase foi batizada de Go, por inspiração do produtor Bob Weinstock. Monk não gostou e pediu a Mapp que dissesse como era “go” em Barbado. “Vaya”, Mapp respondeu. Monk entendeu Bye-Ya e ficou.
Mas por que Mapp sumiu? Kelley não sustenta nada muito decisivo, nem tampouco dá informações com o que teria acontecido com Mapp pelos anos seguinte. Porém, a hipótese que ele levanta faz sentido. Mesmo tocando com Monk, Blakey e Roach, Mapp não deve ter se sentido financeiramente seguro. O mundo musical era fascinante porém sem grandes garantias. Mapp preferiu continuar se apresentando esporadicamente no Tony’s e trabalhando comp guarda do Departamento de Trânsito de Nova York. Sua carreira musical nunca avançou o sinal.