Documentário sobre Charles Mingus e seu despejo de seu apartamento em Nova York revela muito sobre a arte e os Estados Unidos
Para ser lido depois de ver o documentário Mingus: Charlie Mingus 1968
Em 1966, Charles Mingus, então com 44 anos, foi expulso de seu apartamento em Nova York. A justificativa foi falta de pagamento. Era um loft que Mingus pretendia transformar numa jazz workshop, as oficinas em que o músico reunia outros músicos que se encaixavam em seu estilo. Todos os pertences do músico – inclusive um histórico contrabaixo avaliado em US$ 20 mil – foram colocados na rua e recolhidos para um depósito público.

Nas imagens, um atordoado Mingus circula pela calçada, ora praguejando, ora dando entrevistas. O drama e o abandono de um dos maiores músicos do século 20 foram registrados pelo cineasta Thomas Reichman, que dois anos depois lançaria o documentário Mingus: Charlie Mingus 1968. Além do desespero de Mingus, em uma das fases mais sombrias de sua vida, o filme também capta o músico em seu habitat natural, os clubes de jazz, e no convívio com sua filha, Caroline, então com cinco anos.
É o mais revelador relato feito sobre um músico que soube alternar alta exposição com apreço pela privacidade. No documentário, Mingus parece não querer poupar ninguém nem a si próprio, como já havia feito em Beneath the Underdog, seu livro autobiográfico. Está revoltado. Consigo, com seu país, com tudo. Vale lembrar que o período era de tensões políticas e raciais e que estas fatalmente afetaram alguém tão sensível como Mingus.
O impacto é generalizado. Aos 23 anos, Reichman se deixa levar pelo seu personagem e não alivia na edição das imagens – o que talvez melhorasse o filme, não a história. Mostra também que tal impacto pode lhe revelar uma tragédia ainda maior. Reichman sucumbiria à marginalidade artística, não conseguiria enfrentar a depressão e se suicidaria em 1975, aos 31 anos.