Olivio Petit lembra como Moraes Moreira era habilidoso com os sons, com as palavras e com a bola
Para ser lido ao som de Moraes Moreira em Espírito Esportivo

Meus pais gostavam de Sinatra, Dolores Duran. Meus primos mais velhos se orgulhavam de ser da geração dos Beatles, Stones, Caetano e Gil. Eu estava aprendendo a curtir Cocker, Hendrix, The Mamas & The Papas, mas não tinha uma referência nacional pra chamar de minha.
De repente, num programa do Chacrinha, aparece um threesome cantando uma espécie de rock que dizia: “É ferro na Boneca. É no gogó, neném!”. Borboletas começaram a dar rasantes no meu estômago. Pouco tempo depois, eles deram a senha para a libertação definitiva de todos os sentidos. A nova ordem era Acabou Chorare! E fez-se a alegria no meu quarto de adolescente.
Aquela coisa de rock no samba-choro me falava muito forte. Ainda por cima, eles viviam em comunidade. Tudo era de ninguém e nada era de todos. O universo hippie havia atravessado a linha do Equador em forma de shows e me chegava à alma nas histórias do apartamento de Botafogo e do sítio em Jacarepaguá.
A ducha, que era para ser fria, esquentou quando Moraes Moreira largou os Novos Baianos. Passei a acompanhá-lo mais de perto, através dos carnavais baianos e de alguns parceiros dele, que tínhamos como amigos em comum.
Os Novos Baianos seguiram seu caminho e surgiu uma nova Cor do Som, para acompanhar o Moreirinha. Pouco depois eles também seguiram por trilhas paralelas. Um dia Moraes me disse numa entrevista: “Você pode contratar um cara para cantar as músicas do Moraes Moreira. Mas Moraes Moreira só tem um. Eu. E eu, com todo o respeito, com um violão e minhas músicas, boto todo mundo pra cantar junto. Isso tem me garantido a sobrevivência.”
Moreira adorava futebol e compunha muito sobre o tema. E nós, do SporTV, tivemos a oportunidade de tê-lo como autor de temas musicais de duas Copas do Mundo. Ele não se fez de rogado. Pelo contrário. Adorou a oportunidade. E aí eu conheci o cara de quem todos me falavam: humilde, talentoso, antenado, bem humorado, inteligente, colaborador, empolgado e empolgante.
Nossa maior parceria foi a gravação do clipe do tema da Copa do Mundo de 2002, música dele e letra do poeta e também amigo Tavinho Paes. Alugamos o Maracanã e montamos dois times para gravação. Um com a equipe do SporTV e outro com os colaboradores temporários. No flagrante da foto, ele argumentava: “Quer dizer que o Leivinha vai fazer o corta-luz, Júnior vai dominar e esticar para o Rivelino na ponta. O Riva vai lançar na área, eu vou matar no peito e marcar o gol? É isso? Tem certeza? Eles não vão errar, claro. Mas se eu errar? Pode fazer de novo só a minha parte, fechadinho?”.
Tornamos a nos encontrar esporadicamente. Entrevistei ele mais umas duas vezes e vi alguns shows, ele e o violão, com todo mundo cantando junto. Hoje, assistindo a uma live do Tavinho, soube do falecimento do ídolo e camarada.
Minha avó dizia que quem parte dormindo é porque teve uma vida dedicada a fazer o bem.
Tenho certeza de que ela tinha total razão.