Eduardo Osório Rodrigues compara Thelonious Monk a Pablo Picasso, dois gênios que revolucionaram a arte moderna

Ao contrário do que muitos pensam, Thelonious Monk tinha mãos pequenas. Seus dedos, porém, eram longos como pincéis a martelar as teclas do piano com tonalidades que só existiam na sua cabeça. Sua obra representa uma ruptura radical da composição tradicional e da perspectiva na música. Vê-lo tocar é o equivalente jazzístico a ter visto Picasso pintar.
Em comum, o número elevado de obras-primas. Round Midnight, um dos standards mais executados da história do Jazz, e Les Demoiselles d’Avignon, quadro icônico do gênio espanhol, são marcos incontornáveis da música e da pintura no século 20.
Picasso e outros mestres cubistas não tinham compromisso com a aparência real dos objetos que pintavam, Monk – o pianista de imagens fortes – ignorou os padrões musicais existentes para criar um repertório original feito de dissonâncias inesperadas, ritmos quebrados e uso criativo do silêncio.
Os dois revolucionaram arte moderna, cada um a seu modo. Monk reinventou o piano, alargando suas fronteiras com poucas notas e intervalos duradouros. “Não toque tudo (ou o tempo todo). Deixe algumas coisas acontecerem. Improvise. O que você não toca pode ser mais importante do que o que você toca”, ensinou o pianista.
Picasso, utilizando-se de técnicas diferentes, criou uma obra volumosa, inovadora e genial. Monk era um minimalista. Picasso, um artista polivalente: exibia igual talento em pinturas, esculturas, desenhos, cerâmicas e gravuras.
Picasso gestou a revolução estética do cubismo trabalhando a decomposição de objetos e figuras humanas. Monk concentrou toda a sua energia e imaginação na busca pela essência da música, tocando meia-dúzia de notas; as notas certas, segundo a sua concepção.
Há, no entanto, um lirismo que aproxima os dois. A música Ruby, My Dear, composta por volta de 1945, mas gravada dois anos depois, e o quadro Mulher Sentada, pintado por Picasso em 1949, são exemplos que evocam, por motivos diferentes, a importância da presença feminina em suas vidas. Acima de tudo, a celebração da mulher amada.
Ruby é uma declaração derramada e amorosa à primeira namorada de Monk, Rubie Richardson. A mulher na tela retrata a amante e musa do pintor, Françoise Gilot, que à época estava grávida de sua filha, Paloma.
Analogias desse tipo ajudam a entender a gênese de uma criação, mas não explicam, em detalhes, a origem do talento de quem as criou. A essa altura, que importa? Se Miles, com suas fases e revoluções, foi o Picasso do Jazz, Monk foi o cubista do piano.
Ouvir ao acaso um disco como Alone in San Francisco, preciosidade lançada em 1959 pela Riverside Records, é como pegar uma estradinha do interior e desembocar de repente em Giverny, Pienza ou Carmel.
Essa comparação entre Monk e Picasso já foi feita, com muito mais clareza e concisão, pelo crítico Grover Sales, nas notas de uma compilação do pianista, editada pelo selo Prestige em 1972.