Pioneira no mercado independente, a Elenco produziu discos que – como a bossa nova que a gravadora ajudou a divulgar – viraram história
Para ser lido ao som de Vinicius/Caymmi no Zum Zum
A Elenco foi a primeira gravadora conceitual. Seus discos eram pensados como um todo, com uma concepção arrojada e uma ideia geral regendo todas as etapas de produção fonográfica. Pioneira no mercado independente, a Elenco produziu discos que – como a bossa nova que a gravadora ajudou a divulgar – viraram história.
A Elenco era a sofisticação da simplicidade. Fundada em 1963 por Aloysio de Oliveira, a gravadora foi o ápice da carreira de um produtor que tinha quase três décadas de estúdio. Aloysio fez um empréstimo, alugou um escritório minúsculo no centro do Rio e contratou os estúdios da Rio-Som. Não é exagero afirmar que a Elenco desempenhou para a bossa nova o mesmo papel que a Verve teve com o jazz. Da formação jazzística de quem viveu nos Estados Unidos, Aloysio trouxe a noção dos arranjos acústicos, dos pequenos grupos. Do gosto pelo design, Aloysio se associou ao artista gráfico Cesar Villela e criou uma nova estética para as capas de discos: o logo do selo sempre vinha em destaque e as fotos eram em alto-contraste preto e branco ou, no máximo, em cores básicas. Era para ser econômico, ficou revolucionário.
Se se preocupava com a forma, Aloysio não descuidava do conteúdo. Em seu elenco, reuniu os grandes músicos bossa-novistas, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Maysa e Sergio Mendes, recuperou talentos da velha-guarda, como Cyro Monteiro, Dorival Caymmi e Aracy de Almeida, e abriu espaços para novos artistas como Nana Caymmi, Maria Bethânia, Sidney Miller, Edu Lobo e Sylvia Telles (com quem Aloysio estava casado). Como gostava de captar o peculiar, o inusitado, Aloysio também criava parcerias, algumas instantâneas e inovadoras (Vinicius de Moraes e Odette Lara, Dick Farney e Norma Bengell, Edu Lobo e Maria Bethania) e outras que dão a impressão de como demorou até que alguém se desse conta, como Vinicius e Dorival Caymmi.
Ao todo, a Elenco deixou um catálogo com 50 discos, todos de alta qualidade e muitos que ainda mantêm a atualidade. Num período de menos de cinco anos, formou um elenco que poucas vezes uma gravadora conseguiu reunir, juntando artistas tradicionais e vanguardistas e fazendo da música brasileira algo mundial.
Isso é bossa nova. E também é muito natural.
O que é que Aloysio tem?
Quando Carmen Miranda foi para os Estados Unidos ensinar o que é que a baiana tem, quem estava do lado dela? Quando Walt Disney precisou de alguém para dar uma certa “brasilidade” aos seus desenhos a quem ele recorreu? Quando artistas da bossa nova queriam gravar seus discos com liberdade e criatividade a quem eles procuravam? A resposta para as três perguntas é a mesma: Aloysio de Oliveira. Músico, letrista, produtor, narrador, empresário musical, Aloysio foi um dos maiores e dos mais polivalentes talentos da cultura brasileira do século passado.
Ainda adolescente, com 15 anos, em 1929, já fazia parte do Bando da Lua, grupo que acompanhava Carmen Miranda e que com ela viajou para os Estados Unidos. Por lá, Aloysio, com pouco mais de 20 anos, se enturmou com Walt Disney e trabalhou como narrador (as falas originais de Peter Pan e Capitão Gancho são dele) e consultor de desenhos animados – seus palpites ajudaram a dar forma ao Zé Carioca – e em Alô, Amigos, de 1943, ele cantou Aquarela do Brasil.
Com a morte de Carmen Miranda, em 1955, Aloysio voltou para o Brasil no ano seguinte. Ficou um tempo trabalhando como diretor artístico da gravadora Odeon (onde lançou Tom Jobim, João Gilberto e a cantora Sylvia Telles, com quem se casaria em 1960) e também na Rádio Mayrink Veiga. Passou rapidamente pela Philips, mas logo resolveu partir em voo solo para a sua gravadora, a Elenco. Foi o período mais feliz e prolífico da sua vida. Em parceria com Tom, compôs canções como Demais, Dindi, Só Tinha de Ser com Você, Inútil Paisagem e Eu Preciso de Você. No final dos anos 60, abalado com a morte de Sylvia Telles num acidente de carro, vendeu o selo para a Philips e regressou para os Estados Unidos. Voltou ao Brasil em 1972, atuando como produtor musical em diversas gravadoras, como Odeon, RCA Victor e Som Livre.
Discreto e elegante – nunca admitiu publicamente seu envolvimento amoroso com Carmen Miranda – Aloysio fez seu testamento com o livro de memórias De Banda pra Lua. Depois disso, fez a última viagem para os Estados Unidos, onde morreu em Los Angeles, em 1995, aos 80 anos.