Neste dia, há seis décadas, João Gilberto começava a gravar Chega de Saudade nos estúdios da Odeon no Rio – e a música brasileira nunca mais seria a mesma
Para ser lido ao som de Chega de Saudade, com João Gilberto

Para um artista que faz da simplicidade o máximo do refinamento, o silêncio pode servir ao mesmo tempo como soma e como ausência. Como se a obra já estivesse toda lá (e está, há seis décadas), bastando a João Gilberto depurar, tirar as arestas, jogar luz sobre o que estava visível – mas que ele viu antes. Um exemplo é Lígia, do álbum gravado ao vivo em Tóquio, em que ele interpreta toda a canção sem citar uma única vez o nome da musa inspiradora.
Ao longo de sua carreira, João Gilberto montou um repertório coeso, coerente e que muitas vezes se repete, tanto nos discos ao vivo quanto nos álbuns de estúdio. Se se mantém fiel aos seus compositores preferidos – aí incluídos Ary Barroso, Tom Jobim, Dorival Caymmi e Wilson Batista – João Gilberto também exercita a memória e as idiossincrasias de suas preferências musicais, sobrando espaço para Bolinha de Papel (de Geraldo Pereira, sucesso dos Anjos do Inferno nos anos 40), Pra que Discutir com Madame? e Adeus América (duas parcerias de Haroldo Barbosa, uma com Janet de Almeida e outra com Geraldo Jacques), além da excêntrica O Pato.
Porém, depois de tantas revoluções musicas e estéticas, João Gilberto permanece o mesmo há seis décadas e continua sendo uma raridade no meio da mesmice. Isso se deve ao seu talento capaz de ver o novo em músicas exaustivamente gravadas, de criar em cima do que já foi criado.
E de ouvir o som que o silêncio ensina.
