Dr. Jazz enfrenta o nazismo

Reinaldo Figueiredo escreve sobre um livro cheio de som e fúria, improvisado por um trombonista genial

Para ser lido ao som de Django Reinhardt em Honeysuckle Rose

Publicado pela primeira vez em 1985, com outro título (La Tristesse de Saint Louis), o livro Swing Under the Nazis: Jazz as a Metaphor for Freedom, de Mike Zwerin, ficou um pouco mais atual, agora que o racismo, a xenofobia e o nazismo estão de novo em alta nas tendências mundiais.

Mas, antes de falar do livro, é bom falar do autor, que era uma figuraça. Mike Zwerin, que morreu em 2010, foi um jornalista que também era trombonista, ou vice-versa. Quando tinha 18 anos, estava em Nova York, dando uma canja num show do Art Blakey e foi convocado por Miles Davis para substituir, nos ensaios, um trombonista que não podia ir. O projeto era aquele Birth of the Cool, com arranjos de Gil Evans.

Mike Zwerin continuou sendo trombonista pela vida toda, mas foi morar na França, escrevendo para o Village Voice. E depois continuou por lá, passando vinte anos como crítico musical do International Herald-Tribune.

O livro dele não é uma tese, ou um tratado sobre o jazz nos tempos do nazismo. Não tem método científico, ordem cronológica ou notas de rodapé. Parece mais um longo improviso de um músico, com divagações e citações de trechos das conversas que teve com pessoas que viveram os anos da ocupação nazista nos países europeus.

Mas além de falar das campanhas de difamação e demonização do jazz feitas pela equipe de marketing de Joseph Goebbels, com slogans tipo “música degenerada” e “música selvagem feita por negros primitivos”, o interessante é que o livro tem uma espécie de Lado B, mostrando que esse objetivo de banir o jazz era uma tarefa muito difícil de realizar. Primeiro, por causa da grande questão que continua viva até hoje: afinal, o que é jazz? Se muita gente até hoje não sabe definir, imagine os oficiais nazistas encarregados de fiscalizar a vida noturna parisiense para detectar se havia ou não jazz sendo tocado ali. Então, a orquestra tocava Saint Louis Blues e apresentava a música com o título de Tristesse de Saint LouisHoneysuckle Rose virava La Rose de ChèvrefeuilleSweet Sue era Ma Chère Susanne, e assim seguia o baile… Sem falar que, naquela época, existiam muitos fãs de jazz, mesmo entre os nazistas.

Na foto à esquerda, um oficial da Luftwaffe chamado Dietrich Schulz-Koehn, fez questão de posar ao lado de Django Reinhardt e de um grupo de músicos negros, na frente da casa noturna La Cigale, em Paris. Na época, o violonista cigano Django Reinhardt era o músico de jazz mais famoso da Europa. E esses músicos negros não eram dos Estados Unidos, eram de Guadalupe, portanto eram cidadãos franceses. Mas a situação era ainda mais complexa: esse oficial alemão aí da foto publicava uma newsletter clandestina, usando o pseudônimo Dr. Jazz, para falar de tudo que estava rolando na vida jazzística dos países europeus ocupados pelo nazismo…

E agora fiquei sabendo que Stanley Kubrick, depois de ler o livro de Mike Zwerin, começou a bolar um projeto de filme sobre esse personagem, o Dr. Jazz. Infelizmente, não rolou.

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