Último sopro

Raul de Souza deu ao trombone uma linguagem pessoal e inovadora

Para ser lido ao som de Raul de Souza em Yolaine

Arte: Gilmar Fraga

Da gafieira ao jazz, da música eletrônica ao funk, da bossa nova aos blues de Djavan. Em todos esses estilos, Raul de Souza – morto recentemente aos 86 anos – levou seu trombone e deu um toque de criatividade. Parte dessa longa trajetória dedicada à música instrumental foi apresentada e comentada por ele há 17 anos, no Santander Cultural, em Porto Alegre. E eu estava lá. Acompanhado pelos músicos paranaenses Endrigo Bettega (bateria) e Glauco Solter (contrabaixo), além da participação especial do gaúcho Daniel Sá (guitarra), Raul de Souza mostrou como deu ao trombone uma linguagem pessoal e inovadora. “A música instrumental brasileira sempre viveu grandes momentos, com o surgimento constante de músicos jovens e talentosos”, me explicou Raul de Souza. No repertório, Raul de Souza colocou composições inéditas de sua autoria (como Samba Torto) com músicas de Tom Jobim e Chico Buarque (Piano na Mangueira), Djavan (Fato Consumado) e Carlos Lyra (Você e Eu).

Carioca do bairro de Bangu, Raul de Souza arranjou seu primeiro emprego na Tecelagem Bangu e começou a tocar trombone na banda da fábrica, aos 16 anos. Passou a se apresentar profissionalmente pouco tempo depois, quando ainda chamava-se João. A ideia de mudar o nome partiu de Ary Barroso, que ficou impressionado com as performances do jovem trombonista nos programas de rádio, mas acreditava que João não era um bom nome para músico. É provável que Ary quisesse homenagear Raul de Barros, outra glória do trombone brasileiro. De nome trocado, Raul de Souza gravou em 1965 o primeiro disco individual, À Vontade Mesmo (relançado em 2003 em CD num pacote da gravadora RCA). A partir daí, tocou com Luiz Carlos Vinhas, Gilberto Gil, Milton Banana, Paulo Moura e Sérgio Mendes.

No começo dos anos 70, mudou-se para Los Angeles e em 1974 lançou o disco Colors, produzido por Airto Moreira e com as participações de Jack DeJohnette, Richard Davis e Cannonball Adderley, com o mestre do trombone e seu ídolo J.J.Johnson, que arranjou e regeu o naipe de metais. Colors foi o primeiro de uma série de sucessos nos Estados Unidos, onde morou por 17 anos e tocou ao lado de Sonny Rollins, Freddie Hubbard, George Duke e Chick Corea. Em 1979, apareceu entre os cinco melhores trombonistas do mundo na bíblia dos jazzófilos, a Down Beat. Não satisfeito em tocar trombone, um instrumento pouco conhecido até mesmo nos meios instrumentais, Raul de Souza ainda correu o risco de ficar mais restrito, quando inventou o “souzabone”, uma variação do trombone, com quatro válvulas (uma delas cromática) em vez das tradicionais três, e afinado em dó.

O retorno ao Brasil, no final dos anos 80, foi frustrante. Raul conseguiu gravar apenas um CD, Viva Volta. “Depois que fiquei tanto tempo nos Estados Unidos, tentei voltar para o Brasil, mas nada acontecia e aí decidi ir viver na Europa”. Casado com a francesa Yolaine (a quem dedicou uma música inédita no show de 2004, Raul de Souza viveu os últimos anos na França, participando de diversos projetos, incluindo um em que mistura funk com batidas eletrônicas. Foi criativo até o último sopro.

3 pensamentos

  1. Um grandioso e excelente músico, retornou ao seu país de origem para ficar, mas como aqui nessa merda só tem ignorantes desgraçados e uma mídia miserável que só colocam misérias musicais para um bando de gado , com esse som sertanejo tipo Zezé, Chitãozinho, Marilias da vida, eh o pior estilo musical que já apareceu na face da terra, a miséria musical é ruim é um lixo e eh essa solda cáustica que colocam nos ouvidos desta pobre gente.

    1. José Eugênio, pelo extraordinário músico e merecedor de todos elogios, peço-lhe que comente mais sobre Raul de Souza, infelizmente não tanto conhecido quanto aos outros comentados

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.