Saideira de Berlim

Registros da imersão alemã de três semanas 

Maconha é liberada para o uso recreativo, mas, ainda sem lojas para comprar

Três semanas, entre a última da primavera e as duas primeiras do outono, foi dose suficiente para captar algo do cotidiano na capital alemã (e em arredores). E de seu clima,  com temperaturas que, nos últimos dias, variavam entre 4º e 15º, inferiores às do inverno carioca. Fria e ótima temporada, ainda mais curtindo a neta de 1 ano e 4 meses, nora e filho, mas, caindo no inevitável chavão: a melhor parte é a volta ao Rio. Este, como tão bem cravou Tom Jobim, pode ser uma merda em muitos sentidos, mas, é bom demais.

O frio desestimulou as saídas noturnas. A exceção foi uma sessão de filmes dirigidos por mulheres no dia reservado às questões ambientais na sétima edição do “Female Filmakers Festival Berlin” (FFFB VII), realizado entre 1 e 5 de outubro no Kino Moviemento, em Kreuzberg. Na noite de quinta, assistimos a curtas sobre a salinização da água em regiões da Índia; contra a derrubada de uma árvore centenária que estaria atrapalhando o tráfego em vilarejo na Inglaterra; ou, a celebração da Terra e da vida em remota região no norte de Suécia através de um solo de dança. Neste, o sueco “Place of Inaccessibility”, a coreógrafa e dançarina alemã Mareile Gnep , a diretora sueca Hilde van Amelsvoort e a camerawoman caminharam por seis dias até chegar à locação, paradisíaca no verão, ainda mais se assistida numa sala de cinema.

Museus como o Humboldt Forum e a Neue Nationalgalerie foram opções diurnas. O primeiro tem enorme acervo pilhado pela Alemanha colonial em regiões de Ásia, África, Oceania, etc. Ação que, nos últimos anos, vem sendo questionada, com muitos objetos devolvidos aos seus verdadeiros donos. Algumas salas contam com instalações feitas por artistas contemporâneos dos países saqueados criticando o colonialismo. Mesmo assim, o museu etnográfico com o nome de Alexander von Humboldt (1769-1859, geógrafo, polímata, naturalista, explorador que também andou pelas Américas, incluindo o Brasil) continua sendo questionado por progressistas. Críticas até ao próprio prédio, inaugurado em 2020, um híbrido de arquitetura prussiana e moderna, construído no local onde ficava um edifício histórico da antiga Alemanha comunista.

Sem contestação, além de uma grande coleção de arte, do impressionismo a contemporâneos, a Neue Nationalgalerie abriga, até 10 de outubro, a primeira grande retrospectiva de Lygia Clark na Alemanha. Nos dias 1 e 2 de outubro, no outro lado da rua, foi realizado no Ibero-Amerikanisches Institut o “Simpósio Internacional Lygia Clark: Prática Artística em Contextos Transculturais”, com a participação de palestrantes de diferentes países, incluindo, do Brasil (Programa do simpósio sobre Lygia Clark)

.

Palestina na “Árvore de Pedidos” de Yoko Ono, na entrada do prédio da Neue Nationalgalerie

Nos anos 1960 (Obs: corrigido, em 6/10/25, por Marlon Miguel, “A primeira expo da Lygia na Alemanha foi 1963 ou 64” em Stuttgart), a então Alemanha Ocidental foi um dos primeiros países a reconhecer a arte inovadora de Lygia Clark. Esquecida nas últimas décadas, agora, essa exposição vem atraindo grande público à Neue Nationalgalerie. Ela cobre toda a carreira da artista, das telas concretas nos anos 1950 nas quais aboliu as molduras às obras conceituais, incluindo os “bichos”, instalações e demais objetos sensoriais. Sobre estes, como Marlon Miguel me ensinou, Caetano Veloso dedicou uma canção em seu primeiro álbum londrino:  “If you hold a stone / hold it in your hand…

Antes de Lygia Clark, uma outra grande mostra ocupou a Nationalgalerie, contemplando o trabalho de Yoko Ono. E desta continuam a “Árvores de Pedidos” e uma área para a confecção de origamis.

A temporada alemã, iniciada com a imersão no festival alternativo “Höllen Spektakel” (numa floresta nos arredores da cidade de Wiesenburg/Mark, a duas horas de trem de Berlim), incluiu também uma visita à cidade histórica de Postdam. Era a residência dos reis da Prússia (1701-1918), o estado que teve papel decisivo na unificação da Alemanha, no fim do século XIX. Atualmente, com cerca de 180 mil habitantes, virou Patrimônio Mundial da Unesco, abrigando três universidades, a sede da UFA (um dos mais importantes estúdios de cinema da Europa) e inúmeros parques e palácios, incluindo o de Sanssouci.  Este, inspirado em Versailles, era a residência de verão do rei Frederico II, o Grande.

Auf Wiedersehen und bis zum nächsten Mal, Berlin!

PS: O texto anterior, sobre a manifestação contra o genocídio em Gaza, foi lido e comentado por uma berlinense, que botou alguma água no meu chope otimista. Reproduzo aqui (e agradeço) a mensagem de Carla Petzolt (que também foi uma das organizadoras e participantes do Höllen Spektakel, onde apresentou uma coreografia em dupla com Laura): 

lux&auma (Carla e Laura)

Tenho algumas observações:
– A manifestação teve como lema «All Eyes on Gaza» (Todos os olhos em Gaza).

(Ao mesmo tempo, houve outra manifestação com o lema «Reclaim the Narratives»  em outra parte da cidade)

– É um final promissor que seja permitido protestar contra o genocídio em Gaza. É verdade. Mas a verdade também é que a polícia na Alemanha agiu e continua a agir com muita dureza contra os protestos pró-palestinos. A manifestação de sábado foi simplesmente muito grande e, por isso, mais difícil de criminalizar. 

Em Berlim, por exemplo, o slogan «From the river to the sea, Palestine will be free» foi classificado pelo Ministério Federal do Interior como um símbolo do Hamas. Quem gritar o slogan «From the river to the sea» pode ser processado na Alemanha.

PS2: Ainda sobre a “Zusamnen Für Gaza” no dia 27 de setembro, a polícia alemã estimou para baixo, em 60 mil pessoas, mas, organizadores sustentam que mais de 150 mil  tomaram as ruas de Berlim protestando contra o genocídio praticado por Israel na Palestina.

PS3: texto ainda passível de revisão, até o embarque amanhã cedo.

Publicado em ...
Avatar de Desconhecido

Autor: Antonio Carlos Miguel

Amador de música desde que se entende por gente. Jornalista, fotógrafo especializado no mundo dos sons combinados.

4 pensamentos

  1. Obrigado pelas matérias, Miguel. Ótimas. Vontade de conhecer Berlim, uma das duas únicas capitais da Europa Ocidental que não conheço. Viagem e tanto. Parabéns!!!

Deixar mensagem para Antonio Carlos Miguel Cancelar resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.