La La Lana

Tárik de Souza homenageia a incomensurável Lana Biitencourt, a única a gravar a letra original de Corcovado, que enumerava, “Um cigarro, um violão…”

Para ser lido ao som de Lana Bittencourt em Exaltação ao Samba

Foto: Wikimedia/Commons

Mais uma diva da era do rádio se foi. Irlan Figueiredo Passos (1932-2023), a estonteante Lana Bittencourt, que morreu dia 28 de agosto, aos 91 anos, protagonizou episódios que só caberiam naqueles tempos de estética elástica, onde se misturavam as mais diversas latitudes musicais. Filha de um militar, que era poeta e compositor, foi incentivada pela avó italiana a estudar canto lírico, aproveitando a vasta extensão de sua voz. Sua escola na música popular, como me revelou nesta entrevista para o programa MPBambas, do Canal Brasil, era a estrela Dalva de Oliveira, outra de largo espectro vocal. Mas Lana começou pela bossa nova, escandindo os agudos em Se Todos Fossem Iguais a Você, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Mais que isso. Em 1960, fez história num disco chamado Sambas do Rio, dividido meio a meio entre dois Antonios compositores, Jobim, e o ás do sambalanço, e também das canções de protesto e das sentimentais, Luis Antonio (Poema das MãosChorou, ChorouEu e o Rio). Na parte do bossanovista, além de FotografiaSó em Teus Braços e Outra Vez, inaugurou Longe é o Céu, que renomeada Olha pro Céu, só viria a ser gravada pelo autor, em 1967. Mas, o mais incrível ocorreu no registro do megaclássico Corcovado. Lana foi a única a gravar a letra original, que enumerava, “um cigarro um violão/ esse amor uma canção/pra fazer feliz/ a quem se ama”. Bem antes de João Gilberto exorcizar a fumaça dos “finos” comerciais (ele só tragava os artesanais) e enfiar na letra o logotipo da bossa: “um cantinho, um violão…

Lana foi atuante nas rádios cariocas Mayrink Veiga, Tupi, pontificou no início da TV, nos feéricos Espetáculos Tonelux, e gravou em 1962, um disco de odes à Bahia, Exaltação ao Samba (com pérolas de Caymmi, Ary Barroso, Denis Brean, Tito Madi e Vicente Paiva). Aproveitando a fluência em vários idiomas, exibida no início da carreira em temporadas no Copacabana Palace, emplacou vários hits pop como a rumba doo-wop Little Darling (êxito dos Diamonds), e mais, AloneChariotWith all my Heart, e sambas canções incisivos tipo Se Alguém Telefonar (Alcyr Pires Vermelho/Jair Amorim) e Prece (Vadico/ Marino Pinto). Como se não bastasse, participou de dois filmes do caipira-mor Mazzaropi (Jeca Tatu e Chofer de Praça) e perpetrou uma façanha inacreditável. No acendrado baião Zezé, de Humberto Teixeira (parceiro habitual do rei da matéria, Luiz Gonzaga) e do produtor Caribé da Rocha, Lana encara a letra em cinco versões: português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Uma diva à prova de rótulos e cancelamentos.

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