Ana Lúcia Bizinover, jornalista, produtora e apresentadora do programa Tempo de Jazz, da Rádio Roquete Pinto FM, estreia na AmaJazz a convite de Roberto Mugiatti
Para ser lido ao som de Stéphane Grappeli em Garota de Ipanema

De repente eu pulava muito de alegria no corredor do pequeno avião para 16 passageiros. O copiloto ordenou furioso: “Sente-se madame e coloque o cinto!”. Meu marido e meus compadres, Sérgio e Rosalia Luz, companheiros de todas as viagens, olhavam-me com piedade. Pirou. Eles tinham razão e eu… também. A aeromoça acabara de distribuir folhetos com os dizeres: “Primeiro Festival de Jazz de Courchevel”. Courchevel! O charmoso resort de esqui nos Alpes franceses, destino na nossa viagem. Só eu sabia o que significava: “Principal atração: Stéphane Grappelli recria o Quinteto do Hot Club de France”.
Ameacei até não descer do aviãozinho caso não jurassem comprar os ingressos para o Festival. Antes do gesto extremo “daqui não saio”, achei melhor contar tudo sobre o célebre quinteto. Fundado em 1934 pelo violinista Stéphane Grappelli e o guitarrista Django Reinhart (belga, de origem cigana) que o lideraram até o fim, o Quinteto do Hot Club de France(violino, guitarra, contrabaixo e duas guitarras rítmicas) foi o primeiro e mais importante grupo europeu do jazz gravado e seu som único influencia músicos até hoje. Dissolveu-se em 1948 e desde então Grapelli prosseguiu carreira solo como um gigante da cena do jazz. E o ataque final: “Ele gravou até com o Yehudi Menuhim” (gênio do violino clássico), argumentei. Venci. Corta para o Festival.
Local deslumbrante. Subsolo de um hotel chiquérrimo circundado de neve que batia nos vidros de janelões suspensos. Quando Grapelli entrou com sua camisa florida apresentando o grupo, fui às lágrimas. O jovem guitarrista do grupo era a reencarnação de Django. No intervalo, parti voando para o camarim e fui entrando: “Jornalista brasileira”. Os músicos relaxavam deitados no chão fumando, digamos, seus “gauloises”. Dirigi-me a Grapelli, que muito gentil, interrompeu o café para responder ao meu pedido de entrevista: “Imagine, só agora, aos 77 anos me convidaram para uma turnê nos Estados Unidos. Viajo amanhã.” Para recompensar meu desapontamento, sentou-me numa cadeira, me deu um beijo na testa e tocou, de pé, só para mim, Garota de Ipanema…
