Uma garota de Ipanema nos alpes franceses

Ana Lúcia Bizinover, jornalista, produtora e apresentadora do programa Tempo de Jazz, da Rádio Roquete Pinto FM, estreia na AmaJazz a convite de Roberto Mugiatti

Para ser lido ao som de Stéphane Grappeli em Garota de Ipanema

Stephane Grappelli em Londres Foto: Allan Warren/Wikimedia Commons
Stephane Grappelli em Londres Foto: Allan Warren/Wikimedia Commons

De repente eu pulava muito de alegria no corredor do pequeno avião para 16 passageiros. O copiloto ordenou furioso: “Sente-se madame e coloque o cinto!”. Meu marido e meus compadres, Sérgio e Rosalia Luz, companheiros de todas as viagens, olhavam-me com piedade. Pirou.  Eles tinham razão e eu… também.  A aeromoça acabara de distribuir folhetos com os dizeres: “Primeiro Festival de Jazz de Courchevel”. Courchevel!  O charmoso resort de esqui nos Alpes franceses, destino na nossa viagem. Só eu sabia o que significava: “Principal atração:  Stéphane Grappelli recria o Quinteto do Hot Club de France”.  

Ameacei até não descer do aviãozinho caso não jurassem comprar os ingressos para o Festival.  Antes do gesto extremo “daqui não saio”, achei melhor contar tudo sobre o célebre quinteto. Fundado em 1934 pelo violinista Stéphane Grappelli e o guitarrista Django Reinhart (belga, de origem cigana) que o lideraram até o fim, o Quinteto do Hot Club de France(violino, guitarra, contrabaixo e duas guitarras rítmicas) foi o primeiro e mais importante grupo europeu do jazz gravado e seu som único influencia músicos até hoje. Dissolveu-se em 1948 e desde então Grapelli prosseguiu carreira solo como um gigante da cena do jazz.  E o ataque final: “Ele gravou até com o Yehudi Menuhim” (gênio do violino clássico), argumentei. Venci. Corta para o Festival.

Local deslumbrante. Subsolo de um hotel chiquérrimo circundado de neve que batia nos vidros de janelões suspensos.  Quando Grapelli entrou com sua camisa florida apresentando o grupo, fui às lágrimas. O jovem guitarrista do grupo era a reencarnação de Django.  No intervalo, parti voando para o camarim e fui entrando: “Jornalista brasileira”. Os músicos relaxavam deitados no chão fumando, digamos, seus “gauloises”. Dirigi-me a Grapelli, que muito gentil, interrompeu o café para responder ao meu pedido de entrevista: “Imagine, só agora, aos 77 anos me convidaram para uma turnê nos Estados Unidos. Viajo amanhã.” Para recompensar meu desapontamento, sentou-me numa cadeira, me deu um beijo na testa e tocou, de pé, só para mim, Garota de Ipanema

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