Sobre uma cerimônia de adeus
Aprendi com ela apreciar os crepúsculos. Até 1965, quando trocamos Floripa pelo Rio, éramos chamados tantas vezes à pequena varanda no quarto dos pais, no segundo andar.

Dali víamos o sol se deitar no continente, para as bandas do Estreito, o bairro separado da ilha pelas águas do Atlântico.
Nunca mais entrei na casa que, em fim dos 1950, eles tinham mandado construir naquela rua sem nome no então distante bairro de Agronômica. A vista da Baía Norte, ainda sem o aterro e as pistas de veículos, há décadas deve estar encoberta pelos altos prédios da atual área mais valorizada do cidade. Virou um retrato gravado no cérebro. Assim como a casa perfeita na por eles batizada Rua Graciliano Ramos onde tivemos uma infância de sonhos.
Aliás, para emplacar o nome do autor de “Vidas secas” junto à Câmara de Vereadores, Eglê e Salim tiveram que apelar: “Ele é um primo distante dos Ramos”, mentiram. Esta, então, uma das oligarquias de SC, a família do governador de centro (do PSD da época) no ano do Golpe de 64.
Em abril daquele ano, quatro crianças entre 4 e 10 anos ficaram algumas semanas sem mãe nem pai, ambos presos acusados de subversão. Os meses restantes foram de incerteza. No ano seguinte, transferidos para o Rio, outras incertezas e tantas descobertas e belezas se impuseram, mas, os muitos prédios da metrópole tiraram o pôr do sol das janelas.

A partir da anistia em 1979, os crepúsculos espetaculares do Sul voltaram ao cotidiano da família, agora na praia de Cachoeira de Bom Jesus, no Norte da Ilha. Foi nesse mar, que, na manhã do domingo, as cinzas de Eglê se juntaram às de Salim. Um dia antes, familiares, amiga/os, admiradores, estudiosos da obra lotaram a Igrejinha da UFSC para uma roda de conversa e despedida, após terem assistido no Teatro Carmen Fossari ao documentário “Eglê”.
