A ‘MPBF’ dá as caras no Rio

Formado por cantoras francesas, o Trio Anaê estreia no Brasil com suas canções  franco-brasileiras

Há cerca de dois anos, em reunião do comitê de revisão dos discos inscritos para o Grammy Latino, uma participante comentou sobre a “fraca representatividade, ou a decadência, da MPB”. Este era mais ou menos o sentido da frase, que, apesar dirigida a todos, tinha endereço certo. Preferi ignorar a provocação. E, mesmo que, naquela edição, tenha sentido a ausência na lista analisada de alguns fortes títulos lançados dentro do período de elegibilidade, o que conhecemos como música popular brasileira se fez presente. Pode estar longe da grande mídia, das paradas de sucessos no streaming, mas, continua sendo praticada por muitos, até fora do Brasil e por estrangeiros. É o caso do Trio Anaê, formado pelas francesas Aurélie Tyszblat, Jiji e Sonia Cat-Berro, que chegará ao Brasil no fim de março para quatro shows no Rio de Janeiro.

A sigla MPB roda e ainda encanta o mundo, como um guarda-chuva que abriga samba, bossa nova, choro, forró, modinha. No Brasil, além dos figurões em atividade ou com suas obras sendo regravadas e celebradas pelas novas gerações, há muitos nomes mantendo vivo o gênero, gente como Breno Ruiz, Thiago Amud, Alice Passos, Tamy, Zé Manoel, César Lacerda, Tó Brandileone…

Foto divulgação: André Rola

Mas, voltemos ao trio Anaê, que, durante a temporada carioca, além de quatro apresentações, tem sessões de gravação agendadas com brasileiros com quem já tinham contato: Joyce Moreno, João Cavalcanti, Maíra Martins e Augusto Ordine (este, cantor, compositor e arranjador do grupo vocal Ordinarius).

Antes do Anaê, Aurélie Tyszblat manteve um duo com outra francesa, Verioca Lherm, que lançou três CDs entre 2011 e 2019, “Além des nuages”, “Pas à pas” e “Uatu”. Neles, Aurélie & Verioca trocaram figurinhas com Guinga, Joyce, Paula Santoro, Egberto Gismonti e o grupo Casuarina, alternando versões para o francês de clássicos da canção brasileira, composições próprias em francês ou português.  Nesse período, elas também fizeram sete turnês pelo Brasil. 

“A minha ligação com a música brasileira começou com 13 anos de idade, ouvindo o disco ‘Chico Buarque’, de 1978 com ‘Cálice’, que me tocou profundamente”, conta em troca de mensagens Aurélie, que, a partir daí mergulhou de cabeça. “Anos depois, encontrei um professor carioca radicado na França, Eduardo Lopes, que me abriu as portas da música brasileira – e da letra brasileira. Foi em 2003. Não falava nada de português mas resolvi aprender. Com aulas de noites consegui me formar.”

Em 2010, Aurélie começou a trabalhar com Verioca, a quem já admirava como compositora, passando a escrever letras para as canções da dupla, e também fazendo versões para temas de Baden & Vinicius, Egberto Gismonti, Guinga, Swami Jr e Joyce.  Há quase duas décadas trabalhando com música brasileira, ela também se dedica ao ensino: “Pois, transmitir com exigência e humor fazem parte das minhas missões… sempre ensinando a riqueza da música brasileira que eu amo”. 

O terceiro e último disco de Aurélie & Verioca, “Uatu”, saiu em 2019, um ano antes da pandemia do Covid. Elas continuam fazendo shows na França e ministrando oficinas de canto dedicado à música brasileira: “Nesse final de semana, serão dois dias dedicados à obra de Guinga para uma turma de 12 estudantes”, conta Aurélie. Mas, há dois anos, ela encontrou duas  parceiras para o novo projeto, também de “Música Popular Brasileira & Francesa”.

“A Jiji já tinha lançado dois discos solos. Em um deles, há um dueto com Chico Buarque,  cantando ‘Injuriado’, não conheço outra francesa a ter feito isso,  além de Jeanne Moreau,  claro. Enquanto Sonia, depois de ter lançado quatro discos de jazz, estava afastada dessa música e louca pelas rodas de samba. Já rodamos bastante na França e, agora, vamos ao Brasil. A história desse trio é uma história de paixão, de fé e, talvez, também de inconsciência. Mas, é uma aventura humana lindíssima, com muito amor e desafios. Isso nos dá um pouco de fé nesses tempos atormentados.”

Quanto ao nome escolhido, Aurélie lista vários motivos: “O som da palavra suave, com várias vogais e poucas sílabas… e acentuado na última. É moderno mas, tem raizes antigas no nome Hannah (como Hannah Arendt). E evoca em relação aos valores associados aos primeiros nomes. No caso de Anaê, esses valores são a força, a determinação, a capacidade de enfrentar as dificuldades, sem nunca desistir. A sinceridade e a personalidade positiva fazem também parte do DNA desse nome. Além disso, Anaê é associado ao número 3. Enfim… são crenças associadas a três sílabas mas nos sentimos em sintonia com elas.”

Além do significado do nome, elas também homenageiam outros grupos vocais, especialmente o Trio Esperança, que fez uma carreira de grande sucesso na França, e ainda o Quarteto em Cy.  O repertório do Anaê nesses shows vai de Milton Nascimento a Tó Brandileone (compositor paulistano atual), de Silvio Caldas a Vinicius de Moraes. E também um samba de Aurélie com Verioca que elas definem como um mantra,  “Viver é ser feliz”, e uma versão para o francês do enredo da Mangueira em 2019, “Berceuse pour grand enfants” (“Histórias para ninar para gente grande”).

Com arranjos vocais de Augusto Ordine, para o palco, a Anaê contou com a direção da preparadora belga Caroline Leboutte. Um violonista baiano radicado na França, Gabriel Marques, participa dos shows no Rio. Então, atrativos sobram. Para quem quiser conferir, aqui está a agenda:

Sábado, 29 de março  (às 13h): Casa das Artes (Paquetá, Rio)

Domingo, 30 de março (às 19h): Blue Note Copacabana (Rio) 

Sexta-feira, 4 de abril (às 19h): Centro da Música Artur da Távola (Tijuca, Rio)

Sábado, 5 de abril (às 17h): Soberano jazz club (Itaipava, RJ)

PS: O texto foi corrigido após nova troca de mensagens com Aurélie. Em parte, devido a “descorreções automáticas”, mas, também por desatenção desse escriba apressado.

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Autor: Antonio Carlos Miguel

Amador de música desde que se entende por gente. Jornalista, fotógrafo especializado no mundo dos sons combinados.

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