Associados à caretice

Sofisticação harmônica de The Association foi atropelada pela atitude (para ler ao som de “Never my love”)

Pautado por postagem e comentários fcbkianos, cheguei a Along Comes The Association: Beyond Folk-Rock and Three-Piece Suits, livro de Russ Giguere, um dos fundadores de uma banda de Los Angeles que ficou presa ao passado. A Associação brilhou na segunda metade dos anos 1960. E foi rapidamente esquecida. Escrito em parceria com a jornalista, escritora e editora Ashley Wren Collins e lançado em 2020, é boa introdução à obra do grupo. Também oferece um panorama da rica e efervescente música produzida na ensolarada Califórnia durante a década em que a juventude acreditou que iria mudar o mundo para melhor.

Reprodução

Como Giguere procura mostrar, The Association esteve sempre conectado aos ideais libertários do período. Apesar dessas credenciais, o grupo foi carimbado como “careta” pela dita intelligentsia.  Mesmo que já tivessem trocados os terninhos usados nos palcos e nas capas dos dois primeiros discos pelo visual hippie e, desde sempre, seguissem padrões alternativos, adeptos do vegetarianismo, ligados aos protestos contra a guerra no Vietnã (tema da canção “Requiem for the Masses”, que fechava seu terceiro e melhor álbum, Insight Out), interessados pela cultura hindu (dos gurus à música de Ravi Shankar) e muita maconha. Por sinal, a personagem no título de seu primeiro grande sucesso, “Along comes Mary”, sempre foi associado à marijuana.

Mas, sinais de que os ventos sopravam contra The Association nunca faltaram. Escalados para abrir o lendário Monterey Pop Festival, que aconteceu entre 16 e 18 de junho de 1967, foram limados do filme de D.A. Pennebaker. Lançado no ano seguinte, Monterey Pop ajudou a espalhar para o mundo gente como Jimi Hendrix, Janis Joplin (então a cantora do grupo Big Brother & The Holding Company, Otis Redding, The Who. E até Ravi Shankar 

Da mesma forma que aconteceu com outra artista limada do longa-metragem, a sofisticada cantora e compositora Laura Nyro, num passe de mágica, a música de The Association saiu de moda. O perfeccionismo de suas harmonizações vocais (Leonard Bernstein usava em suas aulas “Along comes Mary” como exemplo do canto modal) não era mais prioridade para um público agora fascinado por  muitos decibéis, visceralidade e virtuosismo solo. 

Álbum de estreia, em 1966 / Reprodução

Em 1965, ainda atendendo como The Men e atração fixa do clube Troubadour, em West Hollywood, teria sido a primeira banda rotulada como folk-rock – Giguere exibe a prova, um recorte de jornal de LA. Mas,  o carimbo passou a ser mais comumente, e justamente, associado a artistas como Bob Dylan, The Byrds, The Buffallo Springfield… Apesar de vindo da cena folk, o Association se consolidou nas rádios por seu pop sofisticado, eternizado nas programações de easy listening. Até 1968, eles marcaram presença no Top Ten dos EUA (e de boa parte do mundo, Brasil no meio) com sucessos como “Cherish”, “Along comes Mary”, “Windy” e “Never my love”. As duas últimas, ambas lançadas em Insight out (1967), chegaram ao primeiro lugar da parada estadunidense. Segundo a BMI, “Never my love ” (composição entregue ao grupo pela dupla de irmãos Don e Dick Adrisi) foi a segunda canção mais tocada em rádios e TVs dos EUA no século passado.

A partir de 1968, os (poucos) álbuns lançados não mais emplacaram. A “associação” com Hollywood em 1969, na trilha do filme Goodbye, Columbus (Paixão de primavera nos cinemas brasileiros) tampouco ajudou. Mesmo baseada em romance homônimo de Philip Roth, era uma comédia convencional (estrelada por Alice McGraw), sem, por exemplo, o apelo contracultural  de Easy rider, o filme de Peter Fonda e Dennis Hooper, embalado por trilha sonora com Hendrix, Steppenwolf, Byrds, Band…

Após Goodbye, Columbus, a formação original – Russ Giguere, Jules Alexander, Jim Yester, Ted Bluechel, Terry Kirkman, Brian Cole e Larry Ramos –  ainda fez The Association (1969) e The Association Live (1970) – este, álbum duplo no qual mostravam que conseguiam manter nos palcos os complexos arranjos vocais e instrumentais de seus discos, onde foram reforçados por cobras dos estúdios de LA.  A partir daí, o grupo lançou mais dois álbuns, Stop your motor (1971) e Waterbeds in Trinidad! (1972), mas, sem repercussão alguma.

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Em suas memórias, Giguere oferece muitas provas do prestígio que o grupo conseguiu em seus primeiros anos. Eles circulavam e eram reverenciados por gente como Frank Zappa (que chamou, e recebeu um não como resposta, dois dos cantores para a primeira formação dos Mothers of Invention), Jimi Hendrix, membros de Mamas and Papas e dos Rolling Stones. “Num show no Wembley, Mick Jagger abriu a porta de nosso camarim e, muito educado, elogiou nossa sonoridade, ‘Eu nunca ouvi ninguém cantar como vocês'”, relembra Giguere. Também pontuando que a primeira guitarra elétrica usada  em público por Dylan pertencia a The Men. “Após um show no Music Box, ele esticou a noite no Troubador e em certo momento pediu emprestada uma guitarra para  participar de uma jam com a gente, a atração fixa da casa.” Em seu compacto de estreia (na Valiant Records, selo depois comprado pela Warner), lançado em 1965, The Association recorreu ao repertório de Bob Dylan, recriando em formato folk-rock “One too many mornings”. 

Quarto álbum do grupo / Reprodução

Giguere saiu do grupo em 1971, lançando seu único álbum solo, Hexagram 16, que passou em branco. No ano seguinte, outro baque para a Associação com a morte por overdose de Brian Cole (baixo, clarinete e voz). Até o fim da década, com um entra e sai de músicos, o grupo tentou se manter. Após o disco solo, Giguere participou de outras bandas, fez um duo de comédia e trabalhou como marceneiro. Também casou e namorou muito (incluindo a atriz inglesa Helen Mirren e a cantora Linda Ronstadt). A partir do início dos anos 1980, quase toda a formação original voltou, surfando na onda nostálgica dos anos 1960. O grupo ficou restrito a essa capsula do tempo. Em 1984, contratados pela então poderosa agência William Morris, eles se juntaram a Turtles, Gary Puckett and the Union Gap e  Spanky & Our Gang na Happy Together Tour. 

O grupo se manteve ativo nesse circuito com cheiro de mofo até 2014, com a morte de Larry Ramos.  Este, Hilario em sua certidão, nascido no Havaí, descendente de chineses e filipinos, entrou na época de Insight out (1967), quando Jules Alexander foi para a Índia, um ano antes da imersão dos Beatles. Ramos tinha sido o primeiro “asiático” a ganhar um Grammy, em 1962, então participando do grupo folk The New Christy Minstrels, pelo qual também passaram artistas como Kenny Rogers, Gene Clark, Kim Carnes e Barry McGuire. 

Sobrevivência em parte garantida por seus maiores sucessos, agora clássicos. Muitos, volta e meia, pinçados para trilhas sonoras. “Never my love”,  que esteve em “Vício inerente” (o filme de Paul Thomas Anderson de 2014 estrelado por Joaquim Phoenix), recentemente, entrou  na série Netflix  Bebê Rena, e, em 2022, foi regravado por Norah Jones e Jakob Dylan para o documentário  Echo in the Canyon. Por sinal, o documentário sobre a cena musical da Costa Oeste nos anos 1960,  idealizado e narrado pelo filho de Bob Dylan, reuniu e entrevistou quase todos que importavam na época: Crosby, Stills & Nash,  Joni Mitchell, Jackson Browne, Brian Wilson… E nenhum dos “associados”.

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Autor: Antonio Carlos Miguel

Amador de música desde que se entende por gente. Jornalista, fotógrafo especializado no mundo dos sons combinados.

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