Autocrítica do jornalista enquanto um cricrítico

Antônio Carlos Miguel sai do armário e assume sua porção do mal 

Para início de conversa umbilical, até que me provem o contrário, desse neologismo sou o pai. Não sei, nem, nesse momento, me darei a tarefa de googlear em qual veículo nasceu. 

Arte de rua no Morro da Providência, Rio, pré carnaval de 2024 / Fotos: A.C.M.

Talvez n’O Globo, onde passei quase duas décadas de minha vida e, mesmo já com alguma estrada nas costas, mais do que  prestígio e relativo (e falso) poder, realmente aprendi e me fiz jornalista. Esta uma profissão que abracei por um misto de falta de oportunidade (ou talento para outra), DNA, paixão pela música (e qualquer forma de arte em geral). Tornei-me um jornalista musical “amador” (na concepção que o xará Jobim dava ao termo, daquele que ama o que faz).

Ou então, no blog que mantive por sete anos na então engatinhando versão digital do jornal, entre 2003 e minha demissão (em março de 2011). Esta, motivada por um desabafo do qual não me arrependo (e ainda comemoro a consequência) sobre não ganhar um centavo pelo esforço dedicado. Trabalho bem além do contrato acertado com a empresa no tal blogquasediariosentimusical que garantiu muitos web navegantes ao site em formação.

Outra hipótese, é ter cunhado o cricrítico nas colunas para International Magazine, que não era internacional nem revista, e sim um jornal independente mensal feito no Rio entre os 1990 e parte dos 2.000.

Nesses três espaços já assumira e, de certa forma, neutralizara as iniciais A.C.M., então associadas a Toninho Malvadeza. Esta uma das alcunhas do politico que desde a ditadura mandava e desmandava na Bahia. Pelo menos,  para alguns, aquele era o “ACM do bem”.

Segunda-feira de Carnaval de 2024 na Praça da Harmonia, Rio de Janeiro

Caí nesse assunto, em parte, por coincidências estimulantes. Amigo querido, reencontrado em bloco na Praça da Harmonia, repassou-me há dois dias link  em que sou mencionado. É postagem no qual grupo de rock de algum prestígio no fim dos 1980, mas, restrito à cena independente, nunca aceito pela “majores”, cita a única crítica negativa a seu disco da volta (no início dos 2.000) e, até o momento, o derradeiro. Resenha micro assinada por A.C.M. – ali, mais para malvadeza.

Não vem ao caso dar nome aos boys. Que têm razão, mesmo que minha opinião continue. O problema é que, na verdade, então, rock (antenado aos últimos gritos londrinos) já não era minha… cup of tea. Duas décadas depois, percebo que o melhor era ter ignorado o tal álbum. Ou deixado para os especialistas no setor. Mas, daí,  segundo o que jornalisticamente nos pautava, a influente página de crítica musical viraria um asilo de Márcias de Windsor, um júri de desfiles na Sapucaí com a overdose de Dez! Nota Dez! Ou 9,9 e descendo milimetricamente.

A outra coincidência foi, também na terça-feira, ter caído em link no YouTube para entrevista de Tom em 1993, e que, viciado que sou nele, me levou a mais quatro. Todas da mesma época, com temas recorrentes e sempre deliciosos.  Jobim relembrando dos primeiros não sambas com Vinicius; dos ouvidos interno e externo de Villa-Lobos, quando o visitou no prédio em cima do Vermelhinho, em frente à sede da ABI; dos contratos de edição nos EUA assinados sem ler ou advogado do lado; das cobranças de grande parte da imprensa; e, fazendo o elo com a tal micro resenha, da rala  argumentação comparativa da maioria dos ditos críticos. Naqueles anos 1990 e 2.000, na sua maioria resenhistas, sem espaço ou bagagem para análises profundas.

Como já registrei em outro texto para AmaJazz, musicalmente, assumo minha multipolaridade. Departamentos diferentes no cérebro se abrem e fecham para estilos até antagônicos. Mas, mesmo que, no início da adolescência, o rock (que era também pop) de Beatles, Stones, Dylan, Donovan tenha contaminado meus neurônios, os Caymmi, Noel, Aracy, Ary, Villa-Lobos, Bach, Gershwin, Stravinsky ouvidos desde a primeira infância nos 1950 voltaram a tocar mais alto. Acrescido de tantos outros, em lista que tem Tom no topo e gente do jazz (Mingus, Miles, Monk, Billie, os Evans Bill e Gil…), do impressionismo (Debussy, Ravel, Satie…), da canção brasileira (Milton, Chico, Edu, Sueli Costa, Guinga…); dos sons do Planeta Terra em geral (Sakamoto, Piazzolla, Mulatu Astatke…) chegando junto.

Ainda sobre Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, lembro, em março de 1992, da primeira reunião de pauta que participei. Numa época em que o Segundo Caderno tinha uma equipe com mais de duas dúzias de repórteres e redatores e críticos, após sugerir uma grande entrevista com o autor de “Águas de Março”, “Fotografia”, “Samba do Avião”, ouvi em uníssono: “Mas, Jobim é um chato!”

PS: O trompetista também estava em parede no Morro da Providência. E, do último carnaval, também prossegue a virose que só agora começa a nos deixar.

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Autor: Antonio Carlos Miguel

Amador de música desde que se entende por gente. Jornalista, fotógrafo especializado no mundo dos sons combinados.

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