Antônio Carlos Miguel sucumbe à mesmice e insiste em saudar a arte de RC

Se não me motivei para assistir ao cara legal e progressista que cada vez mais é Roger Waters por quê sair de casa para o carola e conservador Roberto Carlos? Perguntas assim povoavam a cabeça no trajeto, enquanto, entre as respostas… Para fazer um agrado a quem me atura há quatro décadas e sempre conheceu e gostou mais da Jovem Guarda e seus personagens (e é corresponsável por dois filhos, um neto e outrx a caminho). Para, dependendo do que rolasse no palco do recém-nascido Arena Jockey (espaço que ainda não experimentara, outra razão) confirmar as piores expectativas e interromper um (raro) frila que me consome há quatro semanas e batucar esses caracteres 0800.
Preparado para o império da mesmice, como no velho e sempre entediante sucesso do príncipe: as mesmas canções, a mesma banda, os mesmos diferentes tons de azul no figurino, os mesmos bordões, as mesmas rosas brancas e vermelhas no longo e previsível número final com Jesus Cristo servindo de trilha. E aí…, um cara capaz de milagres, fazendo dezenas de senhoras saírem de suas cadeiras de roda e voltarem a caminhar. Muitas quase serelepes.

Esta foi a observação de um menos velho do que eu, mas, mais experiente cara da indústria da música, quando nos reencontramos, por acaso, momentos depois, na mesma praça da Gávea ainda coalhadas de tricolores comemorando a Libertadores da noite anterior. Comentário de Marcelo Castello Branco que roubo por sintetizar como um koan o que não teria explicação.
Serelepes, mesmo que por instantes (assim como aquele este cara até então cético no veículo de aplicativo), após terem enfrentado o complicado acesso ao complexo de entretenimento montado em meio às pistas de corrida de cavalinhos e que vai ter programação cheia até perto do Natal. Ótima acústica e climatização do ambiente; área de convivência (com bares caros) agradável; platéia com cadeiras de acrílico desconfortáveis, uma colada à outra, otimizando a capacidade de ocupação da arena um pouco além do bom senso.
A palavra, usada aqui como adjetivo, é adorável já a partir da sonoridade, mas, só agora, fugindo ainda mais do concerto, corri atrás da origem. Segundo a IA e o Aurélio, inicialmente, substantiva, para o animal também chamado caxinguelê pelos povos originários do que virou Brasil. O Houaiss diz haver controvérsias se é nativa desse lado do Atlântico, recorrendo a Nei Lopes, que apontou raízes africanas em serelepe. Saindo ainda mais da rota, bifurcação que reforça a vontade de ver o documentário Línguas da nossa língua, de Estevão Ciavata, em quatro episódios, que a HBO vai exibir a partir de 14 de novembro.

De volta ao fim, àquela altura, a confirmação de que pouca coisa mudara virara algo positivo. E a noite ofereceu mais porquês de esse cara ser um artista relevante. Agora, ao reouvir Amigo, motivado por uma das dezenas de fotos de ontem remeter à da capa do álbum de 1977, a constatação de que o arranjo de ontem, consolidado através das últimas décadas, é bem mais poderoso. E o cara ainda canta muito. E tocam muito e bem azeitados os músicos na banda (jazzística até em certos detalhes) de baixo, duas guitarras, dois vocalistas, naipe de cinco sopros, baixo, bateria, percussão e o piano do também maestro Eduardo Lages.
Na mesmice, voltei a me render ao que não tem explicação. E até deu vontade de me credenciar para cobrir mais shows de outros octagenários programados para o Rio nessa reta final de 2023.

Seu maravilhoso texto ajudou a afirmar a admiração que continuo tendo pelo Roberto Carlos..continuo ouvindo, exibindo a foto preto e branco que ganhei trabalhando com ele na CBS dos anos 80.
RC e RC. Bjs ,Ruth!