Duas ou três coisas sobre as temporadas do saxofonista argentino no Brasil durante os anos 70
Para ser lido ao som de Gato Barbieri em To Be Continued

1 – Gato Barbieri chegou ao Rio de Janeiro em outubro de 1970. Ao lado da mulher, a italiana Michelle Barbieri, ele pretendia ficar uma longa temporada no país. Dois eram os compromissos iniciais: um show dentro da programação do V Festival Internacional da Canção Popular e a participação na trilha sonora do filme Isabel e a Morte, de Thomaz Farkas.
Hospedado inicialmente na casa do cineasta Walter Lima Jr., Gato dizia ter interesse em experimentar novos ritmos e acreditava que sua música havia feito um grande círculo, aproximando cada vez mais a América Latina da África. Tudo com a liberdade de improvisação do jazz. Para Gato essa fusão seria o grande caminho que precisava ser aberto e que iria produzir uma ampliação de todas as músicas folclóricas. Na época, ele havia recém gravado o disco The Third World.
Gravado em dois dias, 24 e 25 novembro de 1969, às vésperas do seu aniversário de 37 anos The Third World é muito influenciado pelo convívio que Gato tinha na época com Glauber Rocha. O cineasta foi um grande incentivador para que o saxofonista se aprofundasse no estudo da música folclórica e nas questões que envolvessem o desenvolvimento de uma mentalidade pan-americanista. Com apenas quatro faixas – duas delas com medleys em que colocava composições próprias ao lado de obras de Astor Piazzolla (Tango) e de Heitor Villa-Lobos (Bachianas Brasileiras) – Gato gravaria ainda uma música de Sérgio Ricardo (Zelão) e outra de sua autoria, Antonio das Mortes, não por acaso ambas evidentemente próximas da cinematografia do diretor baiano. No disco, Gato liderava um sexteto integrado apenas por músicos norte-americanos: Roswell Rudd (trombone), Lonnie Liston Smith (piano), Charlie Haden (contrabaixo), Beaver Harris (bateria) e Richard Landrum (percussão).
Além das conversas musicais, Gato revelaria a amigos brasileiros estar abalado com as recentes mortes de Jimi Hendrix e de Janis Joplin. Com ela, inclusive, Gato havia participado de um concerto recentemente nos Estados Unidos.
2 – Gato voltaria ao Brasil em maio de 1974. Já consagrado como o autor da trilha sonora de O Último Tango em Paris – disco que ficou cinco meses na lista dos LPs de jazz mais vendidos nos Estados Unidos. Gato teria vindo ao Brasil para seu disco Latin America – Chapter One, entre elas a guarânia Índia, pouco antes gravada por Gal Costa no disco homônimo. Houve ainda a ideia de um disco em que Gato dividiria a autoria com Jorge Ben, de quem já havia gravado Maria Domingas (no disco Under Fire, lançado um ano antes). O projeto acabou não se confirmando.
3 – Gato viria mais uma vez ao Brasil nos primeiros dias de janeiro de 1977. Nenhuma apresentação estava marcada, apenas o lançamento do novo disco, Caliente, com uma entrevista coletiva no restaurante Helsingor.
A intenção do músico era chegar ao Brasil ainda em dezembro para fugir do rigoroso inverno novaiorquino e aproveitar para passar o réveillon no Brasil, o que acabou não acontecendo. Gato chegou ao Rio no dia 4, novamente com Michelle ao seu lado, e alugou uma casa em Búzios. Quem acompanhava o casal era o empresário Paulinho Lima, que já trabalhara com Gato em algumas produções de discos e de shows em Nova York. O desejo de Paulinho era confirmar shows no Rio e em São Paulo, além de um especial para a TV Bandeirantes. Para essa possível temporada no Brasil, o saxofonista tinha a intenção de montar uma banda apenas com músicos brasileiros, especialmente percussionistas. Gato já havia gravado anteriormente com Naná Vasconcelos (em Fênix) e com Airto Moreira (em Under Fire).
Uma semana depois, Gato seria pauta de reportagem de uma página do jornal O Globo. Aparentando não ser muito simpática ao tema, a repórter Joana Angélica abria seu texto se queixando do estardalhaço que o anúncio da vinda de qualquer celebridade – fosse ela Paul Newman, Frank Sinatra ou Gato Barbieri – causava um exagerado rebuliço. No caso de Gato, que já estava no Brasil, agora hospedado no apartamento 1128 do Hotel Sheraton, a queixa da repórter era então com a recusa do músico em se levantar e posar caminhando para as fotos. A justificativa dada por Gato era o fato de se sentir incomodado por violentas dores nas costas que nem frequentes sessões de acupuntura conseguiam aliviar.
Ainda assim, a entrevista foi realizada. Gato sentou-se à beira da piscina. Estava vestindo calça marrom, camisa bege de seda, óculos escuros e uma discreta corrente no pescoço. Pelo calor e pelo local, ele estava sem o indefectível chapéu de feltro preto. Gato desceu sozinho – Michelle ficou no quarto – e começou respondendo fazendo uma comparação entre o jazz e o futebol, reforçando que ambos para atingirem o melhor resultado necessitam de muita espontaneidade.
Em seguida, Gato revelou ter algumas reservas com relação a viver em Nova York, ao mesmo tempo que admitia não poder pensar em mudar de cidade pelo fato de nenhum outro lugar do mundo permitir tantas possibilidades a um músico.
Na área musical, Gato elogiava seu trabalho mais recente e reafirmava o desejo de fazer algo ao lado de Jorge Ben – da mesma maneira que pensava em gravar com Marvin Gaye – num disco que misturasse partes instrumentais com partes cantadas. Perguntado sobre o que achava do seu colega, o saxofonista brasileiro Victor Assis Brasil, Gato encerrou a conversa secamente: “Não conheço”.

Conheci Gato e Michele em Nova York no início dos 1970s por intermédio de Glauber e Fabiano Canosa. Ela era mais interessante que ele. E não esqueçamos que o tema de Ultimo Tango é praticamente um plágio de outro de muitos anos atrás de autoria do Radamés Gnatalli e gravado pelo Paulo Moura. Quem sabe, sabe.