Sérgio Augusto conta que Art Blakey, líder dos Jazz Messengers, ensinava que em seu grupo ninguém aprende o que se deve tocar e sim o que não se deve tocar.
Para ser lido ao som de Art Blakey em Bluesiana Triangle

Quando morreu, no dia 16 de outubro de 1990, o vulcânico Art Blakey havia completado 71 anos há apenas cinco dias. Meses antes, apesar da doença, ainda repetia uma de suas frases de efeito favoritas: “Eu tocarei bateria até que a Natureza me diga para parar. Só me aposento com seis palmos de terra em cima de mim”. E assim foi. Seu último disco, Bluesiana Triangle, destinava-se a angariar fundos para a National Coalition for the Homeless, uma instituição de amparo a menores abandonados de Nova Orleans.
Blakey era expert no assunto desde que ficou órfão de pai e mãe, no bairro mais pobre de Pittsburgh. Da mãe nunca viu sequer uma fotografia. Criado até os 11 anos por uma caridosa senhora que o recolheu no meio da rua, arrematou a adolescência num bordel, onde aprendeu, sobretudo, a tocar piano de ouvido. Com uma família para sustentar a partir dos 16 anos, arrumou dois empregos: o noturno era no Democratic Club de Pittsburgh, onde ficou até outro pianista de ouvido, Erroll Garner, chegar, abafar e obrigá-lo a procurar novo pouso.
Não fez por menos: Nova York. Chegou em 1941, ainda insistindo na carreira de pianista e acompanhado da cantora Dorothy Matthews. Mas cedo se viu constrangido a voltar a Pittsburgh para organizar uma banda. Numa de suas primeiras apresentações, um gangster enfiou um 38 na cara de Blakey e o obrigou a trocar o piano pela bateria. Na noite seguinte, Mary-Lou Williams já se ocupava dos teclados da banda e Blakey do instrumento do qual jamais se separaria. Em termos. Na última faixa de Bluesiana Triangle, ele abriu uma exceção voltando às origens. Tocou ao piano e cantou (com uma voz tão rouca quanto a de Louis Armstrong) a bela canção For All We Know, deixando a percussão a cargo de Joe Bonadio.
No final do mesmo ano em que adotou a bateria, retornou a Nova York e entrou para a orquestra de Fletcher Hendeson. Entre 1944 e 1947, gravou seus primeiros discos como solista da banda de BillyEeckstine e, logo em seguida, entrou nos estúdios da Blue Note na companhia de Thelonious Monk, para uma série de gravações. Assim que largou Eckstine, enfiou-se no Minton’s, o lendário templo do bebop, de onde só saiu depois de aprender todo o idioma bop, com Bud Powell, Fats Navarro e Eddie Davis.
Os Jazz Messengers? Ainda estavam para chegar. No final dos anos 40, com o jazz passando maus pedaços na América e diversos músicos rumando para a Europa, Blakey escolheu outra saída: a África. “Passei lá dois anos”, me disse numa conversa durante o Free Jazz de 1988. “Não fui estudar folclore musical africano, mas mergulhar fundo em filosofias, religiões. Não toquei um só instrumento durante aquele período. Fiquei a maior parte do tempo em Acra, Gana”. Dessa aproximação com a África veio o islamismo. E Arthur Blakey virou Abdullah Ibn Buahaina.
De volta aos Estados Unidos, assumiu a bateria da banda de Lucky Millinder, mas em pouco tempo começou a formar seu próprio grupo. Foi aí, então, que surgiram os Messengers: 17 de cara, em rodízio permanente. Todos cobras. Houve noites em que a seção de trompetes se dava ao luxo de reunir Miles Davis, Kenny Dorham e Fats Navarro, depois de um decisivo encontro com o pianista Horace Silver, em 1954, os Jazz Messengers deslancharam de vez.
Os mensageiros do jazz faziam exatamente aquilo que se espera de um mensageiro. Cada um aprendia o que tinha a aprender e partia para outras aventuras, abrindo uma vaga para futuros mensageiros. Uma seita musical? Não exatamente. Quando alguém comparava o grupo a uma academia de jazz, Blakey corrigia. “É mais uma sala de aula na qual os músicos jovens podem exercitar livremente as suas potencialidades e aprimorar seu estilo. Ninguém aprende o que se deve tocar e sim o que não se deve tocar”.
Seu inconfundível jeito de rufar os tambores, marcado por pausas abruptas e explosivas retomadas de ritmo, teve um mestre indiscutível: Kenny Clarke, o primeiro bamba do bop. Mas a lição mais importante quem lhe deu foi Monk. “Encontre uma identidade própria, seja diferente, para que as pessoas ao ouvi-lo saibam logo de que se trata”. Art Bakey aprendeu direitinho. Ao contrário de muitos virtuosos, não gostava de solos prolongados. Quando sentia ter chegado ao clímax parava e cedia a vez aos demais companheiros. Estava ficando cada vez mais surdo, mas se recusava a tocar usando aparelhos para surdez. “Não toco com o ouvido, mas por vibração”, alegava. Naturalmente rindo de quem o comparasse a Beethoven.

Art Blakey foi figura icônica do bebop. Em sua banda passaram alguns músicos que alcançariam o mais alto posto no estrelato do jazz. Músico que irradiava alegria, tocando sempre demonstrando prazer no ofício. Está entre os expoentes do jazz. Sua banda foi uma verdadeira universidade do jazz.