Antônio Carlos Miguel questiona por que os festivais cresceram demais, deixando a música apenas como uma das atrações, nem sempre a principal, e mostrando que parte do público se aplica independentemente do que estiver sendo apresentado.
Para ser lido ao som de Samara Joy em Misty



“Eu não os vejo. Tentei, mas, sabe? Aquilo não é cinema, e, sim, parque temático”
A declaração acima de Martin Scorsese, em entrevista à revista Empire, em 2019, era sobre os filmes de super-heróis. Mas, vale também para os grandes festivais de música. Especialmente os megaeventos, seja um dos pioneiros nesse formato, o brasileiro Rock in Rio arquitetado por Roberto Medina, ou o Lollapalooza idealizado pelo rockstar Perry Farrell, todos parecem ter crescido demais e deixado algo pelo caminho. Muitos palcos, artistas de diferentes estilos, telões, luzes, equipamentos de última geração, praças de alimentação, lojas de merchandise, salas de jogos eletrônicos… programa com opções para multidões de famílias inteiras. Neles, a música é mais uma das atrações, nem sempre a principal. Parte do público se aplica independentemente do que estiver sendo apresentado.
Felizmente, nem tudo é mega. Eventos de médio porte ainda têm vez, como prova esse maio de 2023 coalhado de festivais de música. No Rio, são pelo menos quatro, alguns com datas coincidentes, alguns também com o jazz no cardápio.
No fim de semana passado, após quase cinco anos de silêncio, o já veterano e itinerante MIMO, criado pela produtora Lu Araújo, voltou aos ares. Criado em 2004, em Olinda (o nome vinha da sigla Mostra Internacional de Música de Olinda), passou a rodar o Brasil e também chegou a Portugal (em Amarante). A atual edição passou por São Paulo (12 a 14 de maio), chegou ao Rio (16 e 17) e ainda vai a Itabira, MG (19 a 21), com programação para lá de eclética e interessante. Shows e workshops e ainda uma mostra de cinema focado em música. Nos shows tem jazz (uma das revelações do gênero, a saxofonista Lakecia Benjamim), tango eletrônico (Nico Sorin Piazzolla Electrónico), guitarra portuguesa (Manuel de Oliveira), pop brasileiro de agora (Bruno Capinam) e com estrada (a volta da lendária Lúcia Turnbull, parceira de Rita Lee assim que ela saiu dos Mutantes e também da banda de Gilberto Gil na época da turnê Refestança), África contemporânea do Congo (Jupiter & Okwess) e de Cabo Verde (Mario Lucio & Os Kriol).
Quem também volta com novo patrocinador é o festival que nasceu em 1985 como Free Jazz. Agora estreando como C6 Fest, acontece entre São Paulo (de 19 a 21) e Rio (18 a 20). Nesse caso, para me contradizer, a programação paulistana, maior, com diferentes palcos, é melhor do que a versão carioca, reduzida e concentrada no palco do Vivo Rio. Mas, mesmo assim, há muito o que assistir no Rio, principalmente sua segunda noite, com a nova cantora de jazz Samara Joy (aquela que, no último Grammy, bateu Anitta na categoria de Revelação) e Jon Batiste (transitando com criatividade por sons de New Orleans, jazz e pop). A de estreia e a terceira e última ficam entre os barulhinhos eletrônicos do Kraftwerk e do Underworld (na quinta) e o pop-rock contemporâneo (no sábado, a paulistana Terno Rei, a inglesa Black Country, New Road e a ianque The War on Drugs).
Em São Paulo, além dos citados acima, tem tributos em memória de Zuza Homem de Mello com elenco de sonhos (Orquestra Ouro Negro, Mônica Salmaso, Fabiana Cozza e Gabriel Grossi) e Gal Costa (por Tim Bernardes) e, entre muitas outras coisas, o novo show de Caetano Veloso.
Até 2003, quando entrou em vigor a lei anti-tabagista proibindo o patrocínio de eventos culturais por empresas de tabaco, foram 16 edições do Free Jazz. Imperdíveis para aficionados de… Toots Thielemans, McCoy Tyner, Phil Woods, Moacir Santos, Tom Jobim, Ryuichi Sakamoto, Maurício Einhorn, Chet Baker, Wynton Marsalis, Cecil Taylor, Sarah Vaughan, Gil Evan, Dizzy Gillespie, João Donato, Ron Carter, Hermeto Pascoal, Horace Silver, Modern Jazz Quartet, Dizzy Gillespie, Charles Lloyd, B.B. King…
O evento foi idealizado por um grupo que incluía os saudosos Zuza, Paulinho Albuquerque e Sylvia Gardenberg, ao lado do saxofonista Zé Nogueira e da produtora e diretora de teatro e cinema Monique Gardenberg – os quatro últimos tiveram a ideia de criar um grande evento jazzístico no início dos anos 1980, quando rodavam festivais dos EUA e da Europa produzindo Djavan.
Após a cultura ser prejudicada pelo efeito colateral da luta contra o tabagismo (o Free do título não se referia ao estilo jazzístico e, sim, à marca de cigarro careta), Monique e equipe (na Dueto Produções) conseguiram novo patrocinador. E fizeram seis edições como TIM Festival, abrindo o leque para pop, dance, rock e o que mais coubesse. O jazz continuou tendo espaço (por exemplo, Sonny Rollins, ainda colosso do sax, que esteve em 2008), mas, às vezes, prejudicado pela logística à la Pazuello (como viveu a frágil e suave pianista e cantora Shirley Horn, atropelada pelos graves que vazavam do palco ao lado onde se apresentava algum melhor DJ do mundo daquela semana).
Águas passadas, vida longa ao C6 Fest é o que desejamos.
Ainda em maio, dias 27 e 28 no Jockey Club do Rio (e em São Paulo primeira semana de junho, dias 3 e 4, no Novo Anhangabaú) será a vez da segunda edição do MITA. Music Is The Answer é produção de Luiz Oscar Niemeyer, o produtor que começou ao lado de Roberto Medina no primeiro Rock in Rio, e depois fez o Hollywood Rock (outra vítima do antitabagismo), dezenas de turnês de Paul McCartney e concerto gratuito dos Rolling Stones na Praia de Copacabana. O perfil do MITA é pop, vai de Lana Del Rey a Jorge Ben Jor; de Florence + The Machine a Planet Hemp.
Por fim, após alguns anos de geladeira (não por acaso, os anos do bolso-obscurantismo), também podemos celebrar a volta do Back2Black. Vai rolar nos dias 26 e 27, no Armazém da Utopia, no Rio. Será a 11º edição do evento criado pela produtora Connie Lopes, celebrando a África e sua influência na cultura mundial. Passarão pelos dois palcos nomes como Emicida (com participação de Dino D’Santiago), James BKS, Chico Brown (com Mádé Kuti), Okupiluka, Salif Keita, Tiwa Savage e Sued Nunes.
PS: Não é festival, mas, fechando o mês, no dia 31, vale saudar a volta do Prêmio da Música Brasileira, com sua tradicional cerimônia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Criado em 1988, por José Maurício Machline, como Prêmio Sharp, mudou de patrocinadores e nomes desde então, passando por Caras, TIM, Vale apresenta o Prêmio da Música Brasileira. Agora, com patrocínio de iFood e Santander e patrocínio cultural da Prefeitura do Rio, o prêmio de Machline chega à sua 30ª edição e mantém o formato. Além dos troféus em diferentes categorias (Canção Popular, MPB, Instrumental, Música Urbana, Pop/Rock, Regional, Samba…), tem uma homenageada especial, Alcione.

Parabenizo pela matéria, principalmente no que tange ao Free Jazz, quando tivemos, na fase inicial, uma programação musical essencialmente para os amantes do jazz, tendo as personalidades citadas na matéria aqui comparecidas, algumas repetidamente, e talvez o contrabaixista Ron Carter tenha sido quem mais se apresentou. Nas derradeiras edições, por questões comerciais, às apresentações de jazz juntaram-se outras, de estilos diversos, principalmente o pop, distorcendo a concepção inicial do festival. Mesmo com a incorporação de gêneros musicais que visavam um maior público à época, o festival acabou “micando”. Uma pena, aquele formato inicial foi muito bom enquanto durou, pois foi um meio, hoje perdido, para estarmos anualmente recebendo parte da nata do jazz e suas revelações.
olá, Nelson, obrigado pelo comentário. Sim, mas, com esperança que a ficha caia para produtores, patrocinadores e a música vença. abs