Livro sobre o grupo e megaexposição sobre o cantor reafirmam o legado do rock brasileiro dos anos 1980
Nos anos 1990, a geração que então emergiu no rock brasileiro parecia avançar no que a da década anterior fez. Pelo menos em quesitos de conceito, maior brasilidade na receita e conexões com o mundo lá fora. Era um informal movimento contando com, entre outros, Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre s/a, Skank, Marcelo D2 & Planet Hemp e chegava, em 1999, a Los Hermanos. Estes, nos discos lançados já no novo milênio, aprofundando um original encontro de referências do rock e do pop com o samba, pareciam ser a confirmação de uma linha evolutiva.

Agora que os 1990 também já viraram passado, é possível rever a ideia resumida acima. Sim, os citados – mesmo com a morte precoce de Chico e as dissoluções (temporárias, com têm sido nesses tempos de voltas ou shows de despedida) de Skank e Hermanos – continuam ativos. Mas, sem o mesmo impacto de tantos outros artistas dos 1980, principalmente dois que partiram cedo, os principais cantores-poetas dessa geração, Cazuza (04/04/1958 – 07/07/1990) e Renato Russo (27/03/1960 – 11/10/1996). Conclusão reforçada pelas comemorações dos 40 anos da estreia da Legião Urbana, com seu álbum homônimo, e de Cazuza solo, com o disco “Exagerado”.

As do grupo de Renato Russo ainda tímidas, em parte devido aos entraves que o filho adotivo e herdeiro têm criado, impedindo entre outras coisas que seus companheiros na formação clássica, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, usem oficialmente o nome Legião Urbana para a banda que mantém o repertório ao vivo nos palcos. Mas, um simpático livro, “Será!” (Máquina de Livros), de José Emílio Rondeau, comemora a data redonda com justiça. Afinal, mais do que uma testemunha ocular o autor é também protagonista dessa História. Então um jornalista musical com apenas um trabalho de produtor na currículo (a estreia do Camisa de Vênus), ele foi o escalado para aparar as arestas entre a EMI-Odeon e o grupo vindo de Brasília, após duas tentativas frustradas com dois produtores, músicos bem mais experientes na função. Como sabemos, a química deu muito certo. Sem a pressão e os velhos esquemas, “Legião Urbana” é o mais impactante álbum de estreia daquela geração.

É uma reportagem memorialista, ilustrada por fotos feitas no calor da hora por Maurício Valladares e prefácio de João Barone. Este, o baterista dos Paralamas do Sucesso, que, em 1983, em seu álbum de estreia, já sinalizara para o talento de Russo gravando “Química”. Rondeau voltou ao tempo usando de sua experiência e de entrevistas feitas agora com Dado (e a companheira Fernanda, então a empresária da Legião), Bonfá, Mayrton Bahia (na época o diretor de produção da gravadora e que se tornaria o produtor dos álbuns seguintes do grupo), Amaro Moço (o iniciante técnico de som que até então gravava samba e se firmou a partir da Legião) e Jorge Davidson (o diretor artístico que contratou o grupo). Boa introdução para, esperamos, muito mais. Renato e a Legião merecem.

Já Cazuza está recebendo todos os louros em grande estilo. Após, no ano passado, os livros “Meu lance é poesia (Obra poética)” e “Protegi teu nome por amor (Fotobiografia)”, organizados por Ramon Nunes Mello e Lucinha Araujo, agora é inaugurada no Rio (no Shopping Leblon) a “Exposição Cazuza Exagerado”. Uma experiência imersiva na vida e na obra do cantor e compositor que, em 1985, então no auge do Barão Vermelho, largou o grupo para estrear solo com o álbum “Exagerado”.
Centenas de fotos, do bebê saudável ao homem de 32 anos abatido pela doença mas ainda ativo em palcos e estúdios; roupas e objetos cobrindo as mesmas três décadas; trechos de toda a obra gravada e filmada, incluindo o último show no Canecão em holograma (que boto, abaixo, uma pitada); depoimentos gravados em vídeos por dezenas de amigos, colegas, conhecedores do artista e da arte deste que é um personagem fundamental para a cultura brasileira.
Ontem, na “spoiler night”, a festa de abertura para convidados, aos 88 anos, Lucinha Araújo esbanjava a força e o carinho habituais. Ela, que sempre acreditou na veia artística do filho único. Essa exposição (com curadoria do poeta Ramon Nunes Mello) é mais uma prova.
PS: Apesar de mais próximo de Cazuza, graças a seu produtor-amigo-guru Ezequiel Neves, nosso inesquecível vizinho-amigo-guru, não sei porque nunca fiz uma foto do Exagerado. Já Renato Russo, uma única vez, durante entrevista em 1988, na extinta sede da EMI-Odeon, em Botafogo.
