O homem que sabia como tocar

Filme sobre Erroll Garner é exibido no Festival do Rio

Para ouvir ao som de “Misty”, de e com Erroll Garner

Mais do que tocar, como tocar é o que define o jazz. Essa máxima tem no pianista Erroll Garner um exemplo perfeito. Em seus concertos e também no estúdio, ele não preparava um repertório, simplesmente começava a tocar o que lhe dava na telha e baixistas e bateristas da vez tinham que se virar. Deu muito certo nas cerca de três décadas de carreira, em 55 anos de vida, breve e agitada. 

Estas e outras informações podem ser conferidas, em meio à muita música,  com trechos de diferentes apresentações filmadas, no documentário “Misty – A história de Erroll Garner”.  Com a presença do diretor, o franco-suíço Georges Gachot, o longa-metragem (1h40m) foi exibido ontem no Festival de Rio, que começou no dia 3 e vai até 13 de domingo. 

Sempre focado na música, com filmes anteriores sobre Marta Argerich (“Conversation nocturne”, 2003),  Maria Bethânia (“Música é perfume”, 2005),   Nana Caymmi (“Rio Sonata”, 2010), Martinho da Vila (“O Samba: Martinho da Vila e a Escola de Samba de Vila Isabel) e João Gilberto (“Onde está você, João Gilberto”, 2018), Gachot voltou-se agora para seu pianista de jazz favorito. 

Para realizar “Misty”, ele entrevistou músicos que trabalharam com Garner (o baterista Jimmie Smith, os baixistas Ernest McCarty e Brian Torff),  um de seus biógrafos e amigo (Jim Doran), a filha Kim Garner (que não teria sido registrada pelo pianista) e a mãe, e a última companheira (Rosalyn Noisette), em locações que passam por Nova York, Pittsburgh (onde nasceu, em 15 de junho de 1921) e Los Angeles ( onde vivia e morreu, vitimado por um ataque cardíaco, em 2 de janeiro de 1977). Quase tudo em preto e branco, fotografia estilosa e, muitas vezes, meio nebulosa. Ou seja, “Misty”, o maior sucesso do também compositor. Lançado em 1954, o tema logo foi incorporado ao repertório de jazzmen e,  a partir de 1956, quando ganhou a letra de Johnny Burke, também por cantores populares do mundo inteiro.

Hoje, numa lista dos grandes mestres do piano no jazz, o nome de Erroll Garner talvez não seja tão lembrado quanto nas décadas de 1950 a 1970, quando era o mais popular do gênero. Esse batucador de laptop, por exemplo, botaria na frente conterrâneos mais ou menos contemporâneos como Thelonious Monk, Bill Evans, Horace Silver, McCoy Tyner, Chick Corea, Herbie Hancock, Ahmad Jamal, Wynton Kelly…  Mas, gosto se discute e Erroll (com dois “eles” e… 40 dedos) Garner merece muitas loas.

O dom para o piano começou a se mostrar ainda na infância, em Pittsburgh, cidade na Pensilvânia da qual também vieram Ahmad Jamal e Billy Strayhorn. O grande e pequeno (1,57) Garner nunca aprendeu a ler música, mas, com memória prodigiosa, logo dominava um tema e improvisava com fluência e invenção. Sem preconceito, para ele tudo poderia virar jazz, dos standards do gênero a Bach ou Beatles (no filme, há trechos de “Something” e “Yesterday”). 

Em 1955, um fã gravou uma apresentação em Carmel-by-the-Sea, na Califórnia, do trio de Garner com Eddie Calhoun (baixo) e Denzil Best (bateria). A acústica era precária, o piano meio desafinado, mas, essa fita amadora deu origem a “Concert by the sea”, álbum que, lançado pela Columbia, vendeu mais de um milhão de cópias, batendo todos os recordes da indústria do disco na época. Em 2015, a Sony Music, lançou “The Complete ‘Concert by the Sea”, com três CDs, mas, para Georges Gachot, que conhece a fundo a obra, este não é o melhor de Erroll Garner. A discografia é enorme e, portanto, merece ser navegada.

PS: os discos de Erroll Garner preferidos de Gachot: “Campus Concert“ e “Feeling is believing“.

PS2: Na correria, tinha cometido erro grande, corrigido agora pelo diretor do filme. São dois “l”, ERROLL.

Assista a trecho: Trailer de “Misty”

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Autor: Antonio Carlos Miguel

Amador de música desde que se entende por gente. Jornalista, fotógrafo especializado no mundo dos sons combinados.

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