Nas rodas de Ray Lema

Pianista congolês volta a Porto Alegre e divide o palco com colega francês Laurent de Wilde na primeira noite do POA Jazz Festival

Para ser lido ao som de Ray Lema e Laurent de Wilde em Wheels

Foto: Romanceor, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

Atração que encerra a primeira noite do POA Jazz Festival, o pianista Ray Lema volta a se apresentar em um palco de Porto Alegre depois de 25 anos. A primeira e única vez que ele aqui esteve foi em abril de 1998 num antecessor remoto do POA Jazz, o Heineken Concerts. Naquele festival, realizado no Salão de Atos da Ufrgs, Ray Lema estava no palco ao lado de outros dois colegas africanos, o malinês Ali Farka Touré, e a beninense Angélique Kidjo. Os três tiveram como anfitrião o brasileiro Jorge Ben Jor. Foi uma noite inesquecível. E eu estava lá.

Congolês, na época com 52 anos (hoje está beirando os 80), Ray Lema era pouco conhecido no Brasil, inclusive em comparação com os seus parceiros de palco. Chegava ao país a bordo de um lançamento recente, o disco The Dream of the Gazelle, até então seu único trabalho divulgado no país. Gravado naquele mesmo ano de 1998, com acompanhamento orquestral em estúdios na Suécia e na França, o trabalho mostrava como o compositor podia se sentir à vontade à frente de grandes grupos e de um repertório que beirava a vertente clássica. Nada disso era estranho a ele. Lema, antes de se exilar na Europa nos anos 70, havia dirigido o Balé Nacional do Zaire, como era então conhecido o seu país.

Nascido em Lufu-Toto, província do Baixo Congo, Ray Lema chegou à música pela religião. Aluno interno de um seminário – na infância ele desejou ser padre – Lema em seu lar descobriu a potência dos cantos gregorianos e das composições de Mozart, Chopin e Beethoven. Mal deixaria a adolescência, nos anos finais da década de 60, e já estaria interessado em outros rumos (pretendia estudar química) e em outros sons (ouvia cada vez mais Eric Clapton e Jimi Hendrix). Atravessaria os anos 70, um período politicamente conturbado em seu país, envolvido com a música popular, além de pesquisas de temas africanos, o que lhe permitiria receber uma bolsa de estudos da Fundação Rockefeller e se mudar para os Estados Unidos. Lá, gravaria seu primeiro álbum, Koteja (1982), e logo a seguir se estabeleceria em Paris, onde produziria muitos discos e se apresentaria em diversos festivais. Da vida na França, nasceria a proximidade com o pianista Laurent de Wilde, 14 anos mais novo e com quem Ray Lema dividirá as teclas na noite de sexta.

O repertório deverá se estruturar em cima Wheels, segundo álbum feito em duo por Lema e Wilde (o primeiro foi Riddle, em 2016). O resultado é a harmonia entre dois pianos que ao mesmo tempo duelam e se completam, unindo técnicas, estilos, continentes e sonoridades. Como as rodas que o título do disco faz alusão, Wheels deve deslizar entre a velocidade e o equilíbrio. Os dois pilotos sabem disso.

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Autor: Márcio Pinheiro

Jornalista, roteirista, produtor cultural

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