Viva a qualquer música

Antônio Carlos Miguel vagueia por polímica (como diria o guru Ezequiel Neves)

Reações de todos os lados, a favor ou contra ou mais ou menos, ao artigo saudando a música impopular fornecem combustível para mais algum blábláblá sem rumo sobre coisas que têm a ver com o tema.

Como amador, consumidor, ex-colecionador e jornalista especializado em música, adoro muito do que oferece o streaming. Principalmente, a possibilidade de acessar a qualquer momento a música nova (ou velha, mas que não conhecia, ou velha que quero reouvir) de qualquer artista. Seja o último grito da semana ou gente que ficou esquecida pelo caminho, mas que alguma reportagem ou comentário nas redes despertou meu interesse. 

É também a mais prática forma de ouvir, em qualquer lugar e situação. E, para mais de 90% do público, com qualidade sonora similar ou melhor (dependendo do fone de ouvido ou do tocador de áudio e das caixas de som) do que a dos incensados discos de vinil, do frustrado formato do DVD-aúdio, dos CDs (que resistiram no Japão e ensaiam uma volta em alguns mercados).

Sim, LPs são lindos, já virou clichê em filmes, propagandas os closes de uma agulha pousando suavemente em vinil preto. Mas, de nada adianta pagar uma fortuna por álbuns perfeitos (sejam edições novas, reedições ou raridades em bom estado de conservação) se toca-discos, amps, caixas não ajudam.

O problema maior do streaming é   ainda não prever remuneração correta para muitos dos envolvidos na criação do conteúdo. Debate (ou embate) que rola e torço para que percentuais  mais justos das receitas geradas pelas plataformas cheguem a autores, intérpretes, produtores, etc.

É formato que funciona como uma rádio na qual podemos ser o programador, ninguém é obrigado a se aplicar do recordista da vez. Mas, por vício da profissão que ainda pratico, costumo conferir quase tudo. E, dando nomes a girls & boys…

Há dois, três anos, colegas encheram a bola de Marina Sena, fui atrás, não me convenci, mas deixei o tal álbum na biblioteca. Acabou não passando no teste de sessão aleatória (minha forma preferida de ouvir nas corridas matinais ou nas atividades domésticas): entra canção que não me interessa, nem identifico de imediato e, após duas, três ocorrências desse mesmo artista, o álbum é limado. Sobre seu tributo a Gal em The Town, não me dei trabalho a assistir. Na verdade, uma noite ou outra tentei alguma zapeada, mas, praticamente não acompanhei ao filhote paulistano do quase quarentão RiR.

Nesses dias, após tanta exposição, fui conferir Chico e, comparado ao que conhecera de Luísa Sonza, rodou bem. Até então, Sonza ou Duda Beat, por exemplo, pareciam a mesma pessoa. O que vai ser dela daqui a dois, três anos? Não imagino, mas, seja nova bossa ou não, o caminho desta parece-me mais promissor do que o das baladas chorosas melosas que predominam em Escândalo íntimo.

Em 2017, vagava de um palco grande ao maior em tarde do RiR carioca, quando a aglomeração num minúsculo, de um dos patrocinadores do evento, levou-me a Pabblo Vitar. Percebi que era personagem interessante, ainda mais naquela era Temer, caminhando para os tenebrosos anos do familiciano. Como intérprete vocal, no entanto, abusando de um único e esganiçado registro, nunca me interessou – mesmo que sua voz tenha sido elogiada logo depois por um dos criadores de música que mais respeito, Ed Motta. Para ficar em artista contemporâneo no mesmo setor, prefiro Glória Groove. Mesmo que não mantenha na biblioteca.

Como quem me aguenta sabe, prefiro mesmo é a voz infantilizada da também pianista Blossom Dearie, a uterina da (será que ainda?) bolsonarista Nana, a rascante de Janis, a sacra-profana de Aretha, as suaves e precisas Karen Carpenter e Dionne Warwick (duas que eu passava longe em minha adolescência e juventude).

Eu poderia estar falando aqui de um monte de música nova feita por gente nova ou velha que tem frequentado meus neurônios, mas, vício do ofício, acabei em parte do elenco de The Town.

Então, para não perder a viagem, algumas coisas novas que sobreviveram ao teste aleatório no streaming. Tearaeza, um balé instrumental de Nelson Ângelo; My heart speaks, Ivan Lins revendo seus clássicos com orquestra e convidados; Canções em chinês, o terceiro álbum do cantor e compositor carioca Glauco Lourenço (com letras de Suely Mesquita); Fogo no mar, o novo do compositor e guitarrista Luisão Pereira (ex-Penélope, ex-Dois em Um e produtor do último e sublime álbum de Zé Manoel);  Nave em movimento: a música artesanal de Luli e Lucina, de Lucina, que pescou 13 canções de um baú de inéditas que fez com a finada parceira; Casa Ramil, disco ao vivo com Kleiton & Kledir e Vitor e filhos e sobrinhos; Iroko, duo pianista cubano Omar Sosa com o cantor/compositor baiano Tiganá Santana; Igreja Lesbiteriana, “antigo” (2019) disco de Bia Ferreira; Trocando em miúdos,  o cantor português José Pedro Gil imerso em Chico (o Buarque); Isolamento musical, do baterista e compositor de jazz de São Paulo Rodrigo Digão Braz (que conheci no trio de Amaro Freitas em recente show no MAR/RJ); Rio adentro, do Trío Entre Dos Ríos, formado pelo violonista e compositor brasileiro Edu Aguiar com os uruguaios Eduardo Marís (violão) e Gabriela Morgares (voz); Trem das cores, a saxofonista e arranjadora Gaia Wilmer e  o violoncelista Jaques Morelenbaum tocando Caetano em álbum quase todo instrumental e jazzy (e usando o mesmo título do totalmente instrumental tributo que Mú Carvalho lançou no início de 2022);  Evenings at Village Gate, concertos de John Coltrane com Eric Dolphy que estavam bem guardados em fitas ; Argentinxs, do grupo argentino Tangheto; Aire, da cantora mexicana Magos Herrera…

Lista que poderia crescer sem parar. Quem se interessar pelo que ainda não conhece é só copiar e colar no seu aplicativo de streaming.

PS: Lula 3 entre erros (cede demais a Centrão, milicos, poder financeiro) e acertos, mas, podemos comemorar que o cerco se aperta sobre a familícia e gente como Braga Netto e cia ilimitada.

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Autor: Antonio Carlos Miguel

Amador de música desde que se entende por gente. Jornalista, fotógrafo especializado no mundo dos sons combinados.

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