Juarez Fonseca recupera de seus arquivos uma análise que fez do disco Hotmosphere, de Dom Um Romão
Para ser lido ao som de Dom Um Romão em Hotmosphere

O baterista-percussionista carioca Dom Um Romão foi para os Estados Unidos em 1964, acompanhando Sérgio Mendes, e viveu toda a primeira fase do sucesso do conjunto Brasil 66, o qual deixou algum tempo depois para transar como músico de estúdio e acompanhar solistas como Cannonball Adderley, Gil Evans, Tom Jobim e Astrud Gilberto em excursões pela América do Norte. Um de seus mais recentes trabalhos foi com o conceituadíssimo grupo Weather Report e isso mostra que Dom Um nunca esteve mal-acompanhado. Este seu quinto disco solo, embora muito bom, deixa algumas coisinhas a desejar, em termos de ânimo, de força vital.Hotmosphere, com o seu clima muito seguro e poucos improvisos, não é tão hot quanto sugere o título – curioso que isso seja notado inclusive em faixas mais objetivamente sambeiras, como a dançante Mistura Fina (Luiz Bandeira) e a carnavalesca Tumbalele, um “samba de rua”, como diz o próprio autor.
Na verdade, acho mesmo que somente duas faixas não estão à altura das demais: Caravan (Duke Ellington), mal transformada em sambão, e Spring (Ricardo Peixoto), que pretende ser um chorinho. Mas são ótimas, por exemplo, Escravos de Jó (Milton Nascimento), Chovendo na Roseira (Tom Jobim) e Amor en Jacuma (Dom Um), com Sivuca no scat-singing e um bom improviso final.Cisco Two, um baiãozinho progressivo e simpático, mistura triângulo e zabumba com saxes e trompetes, em arranjo bem jazzístico. Exceto por Sivuca (vocais, violão) e Dom Salvador (piano), há outros brasileiros menos conhecidos, como Cláudio Roditi (trumpete), Mauricio Smith (sax, clarinete, flauta), Ricardo Peixoto (violão) e Célia Vaz (regente e arranjadora, quem se lembra?). Entre os instrumentistas americanos aparece, na frente, o grande baixista Ron Carter, acompanhado de Sonny Fortune (sax), Alan Rubin (trompete) e outros. Hotmosphere foi gravado em janeiro e fevereiro de 1976, portanto Dom Um já deve estar tramando outra bem diferente.
(Texto originalmente publicado em Zero Hora há exatos 41 anos, em 9 de março de 1978)