O que o mundo precisa é de amor

Burt Bacharach chega aos 90 anos com uma trajetória musical de qualidade e sofisticação

img-20180513-wa0045815035240.jpg
Ilustração: Daniel Kondo

Aos 90 anos, completados no último dia 12, Burt Bacharach pôde ter em vida o que geralmente a maior parte dos artistas só alcança postumamente: o reconhecimento pela alta qualidade de sua produção e a admiração por ter sido criador de uma obra repleta daquele ingrediente que vem sendo tão esquecido em muitas canções contemporâneas: a sofisticação.

Com exceção da santíssima trindade da música americana da primeira metade do século passado – George Gershwin, Cole Porter e Duke Ellington – nenhum outro compositor produziu tantos sucessos com tamanha qualidade. Só na década de 60 foi uma enxurrada de hits – What the World Needs Now Is Love, I Say A Little Prayer, Alfie, The Look of Love, A House is Not a Home, Raindrops Keep Fallin on My Head, (They Long to Be) Close to You, Do You Know the Way to San Jose?… – que foram gravadas pelos mais variados intérpretes: de Dionne Warwick (sua afilhada musical) a Stan Getz, de Sérgio Mendes a Wilson Simonal, de Ella Fitzgerald a Tony Bennett, de Carpenters a Elvis Costello. Quem nessa época fez mais do que ele? Talvez só a dupla Lennon & McCartney, no auge da
beatlemania.

Além ter seu nome incrustado na história da música popular das últimas sete décadas, Bacharach brilhou nas trilhas sonoras. A tal ponto que Raindrops Keep Fallin’ on my Head (canção escrita para o filme Butch Cassidy & Sundance Kid) – pode ser considerada personagem fundamental na antológica cena que mostra Paul Newman e Katharine Ross andando de bicicleta. O mesmo acontece na cena de O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997) em que Rupert Everett puxa um coro de I Say a Little Prayer durante um jantar. De acordo com o IMDb, canções de Bacharach integram nada menos do que 196 trilhas sonoras de filmes e programas de TV produzidos desde 1957. O canadense Mike Myers admitiu ter se inspirado na obra de Bacharach para criar Austin Powers, o espião que é congelado na década de 60 e volta à ativa 30 anos depois. A ideia de Myers partia da trilha do bem-humorado Cassino Royale, com a Bacharach concorreu ao Oscar de melhor canção original de 1968. Já havia concorrido outras duas vezes: em 1966, com What’s New Pussycat, e em 1967, com Alfie. Não ganhou. A Academia, no entanto, lhe daria logo adiante três estatuetas: duas em 1970, por canção original e trilha sonora de Butch Cassidy & Sundance Kid e outra em 1982, pela canção Arthur, do filme homônimo.

Há nove anos, tive a alegria e a honra (ao lado da Cássia), de entrevistá-lo por telefone. Foi uma conversa rápida, leve e que permitia ver o quanto ele se sentia grato por ainda ser lembrado. “A vida é ótima. Ainda mais quando se pode fazer tudo de novo, como eu estou fazendo”, falou-me, na verdade não se referindo apenas ao trabalho, mas ao fato de ter tido uma nova chance na vida pessoal, criando três filhos jovens, dois ainda adolescentes. Ainda assim, Bacharach se mostrava preocupado com o mundo que seus filhos teriam pela frente porém não perdia a esperança nem o otimismo.

Antes da despedida, perguntei do que o mundo precisava agora – fazendo um trocadilho com uma de suas canções mais famosas. E a resposta foi óbvia e brilhante.

– De amor, é claro.

Autor: Márcio Pinheiro

Jornalista, roteirista, produtor cultural

Nenhum pensamento

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.